Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

No dia 4 de julho, o governo apresentou o programa “Acelerar a Economia – Crescimento, Competitividade, Internacionalização, Inovação e Sustentabilidade”, contendo “60 medidas fiscais e económicas destinadas a responder a 20 desafios para acelerar o crescimento da economia”.

A minha impressão geral do programa é bastante positiva, dado constarem medidas que considero muito importantes para a elevação da produtividade e do crescimento potencial da economia – e para o qual concorrem os 20 desafios identificados, que eu encaro como objetivos intermédios –, o que é instrumental para aumentarmos o nível de vida e o progresso social de forma sustentável.

As medidas mais importantes estão alinhadas com o programa eleitoral da AD e o programa de governo a que deu origem, mas várias outras foram incorporadas após a auscultação de “diversas entidades públicas e privadas” sem desvirtuar a estratégia subjacente a esses programas, o que é de saudar.

O governo esclarece que “as medidas serão revistas, ajustadas e aumentadas, se necessário, em função da evolução da economia nacional e do contexto geopolítico global”. Faço notar que, apesar do elevado número de medidas, nem todas têm a mesma importância, várias outras relevantes faltarão e mesmo as apresentadas poderão ser revistas, não apenas em função da evolução económica nacional e internacional, como refere o governo, mas também porque possui apenas uma frágil maioria parlamentar e as medidas na área fiscal, pelo menos, têm de passar na Assembleia da República, exigindo negociações com as outras forças parlamentares. Acresce que o governo tem poucos meses de existência e não se espera que apresente e implemente já nesta altura todo o programa económico para a legislatura.

O principal aspeto negativo do programa, mas que não apaga a minha impressão globalmente positiva, é a ausência de informação sobre o custo das medidas (sobretudo em termos líquidos, após ser tido em conta o seu efeito positivo sobre a economia e as receitas fiscais) e o seu financiamento – compensação via redução de despesa e/ou aumento de outra receita –, de modo a preservar o equilíbrio orçamental.

É legítimo, a meu ver, que o governo esteja a guardar essa informação para as negociações com os outros partidos, mas penso que teria toda a vantagem em transmitir o máximo de dados aos cidadãos eleitores e contribuintes, até para poder explicar o sucesso ou insucesso dessas negociações num futuro próximo.

Considero, por isso, estranha a explicação, de suposta fonte oficial, de que “as medidas (…) serão implementadas ao longo de toda a legislatura e algumas delas ainda estão a ser desenhadas, pelo que nesta altura, será ainda impossível estimar o seu custo-benefício global”. Poderia ser indicado o custo das medidas de impacto já conhecido, pelo menos as de maior magnitude, sendo ainda de questionar se não faria mais sentido acabar o desenho de todas elas antes de apresentar o pacote.

Seria ainda importante esclarecer, pelo menos em moldes gerais, a compensação orçamental do custo deste pacote económico, até porque beneficiou da articulação entre os ministérios da Economia e das Finanças, como deveria. Considero que essa compensação deve ter duas origens:

(i) Mitigação dos custos das medidas pelo processo de revisão de benefícios fiscais injustificados (e alargamento da base fiscal) inserido na reforma do sistema fiscal prometida no programa eleitoral da AD.

(ii) Para evitar subidas noutros impostos, o custo líquido remanescente das medidas que não tenham financiamento europeu deve ser compensado a curto, médio e longo prazo por poupanças efetivas e relevantes na despesa pública, em resultado da prometida reforma do Estado – que teve apenas um tímido primeiro passo para assegurar a próxima tranche do PRR –, sobretudo via desburocratização, digitalização, reorganização e melhorias na gestão. Se necessário, o governo poderá solicitar mais tempo à Comissão Europeia para as várias reformas, incluindo a do Estado, tomarem efeito.

Após esta avaliação geral globalmente positiva – embora fosse desejável informação adicional de custos líquidos e compensação –, a análise que trago a seguir é uma crítica construtiva que visa contribuir para a melhoria do pacote económico apresentado, incluindo propostas de revisão ou acrescento em algumas medidas emblemáticas e de inclusão de medidas do programa eleitoral da AD que ficaram de fora.

1. Análise de quatro medidas emblemáticas do programa e propostas de melhoria

1.1 Redução gradual da taxa de IRC (dos atuais 21% até 15% no final da legislatura; de 17% para 12,5% no caso das PME e Smalll Mid Caps)

É uma das medidas mais importantes do programa eleitoral e de governo, pelo impacto na competitividade das empresas, atração de investimento e capitalização. A redução para PME e Small Mid Caps para 12,5%, que é nova face ao programa eleitoral e de governo, tem a ver com a manutenção de uma discriminação positiva, que deixaria de existir com a descida da taxa geral para 15%.

Aqui, a maior ambição que preconizo segue uma proposta do estudo “O impacto do IRC na Economia Portuguesa”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (coordenado pelo professor Pedro Brinca), a extinção da derrama estadual – uma medida temporária do tempo da troika (cujo fim previsto foi travado pelo primeiro governo da ‘geringonça de esquerda’), vertida em três escalões acima de 1,5 milhões de euros (M€) de lucro tributável, com taxas de 3%, 5% e 9%, que tornam o imposto progressivo, quando nos outros países é proporcional – e das derramas dos municípios (que apenas complexificam o nosso IRC), que teriam de ser ressarcidos pela perda associada de receita. Só a reposição de um modelo proporcional da derrama estadual, baixando as taxas dos escalões superiores, já teria um ligeiro efeito positivo sobre o crescimento económico, segundo uma das simulações do estudo, o que também é relevante pois é uma opção possível que atenua a perda de receita e pode ser um passo inicial na eliminação dessa derrama.

1.2. Lançamento do plano “Estado a pagar em 30 dias”

Trata-se de evitar a acumulação de novos atrasos de pagamento, uma medida fundamental para muitas empresas, direta ou indiretamente relacionadas com o Estado.

Contudo, faltou referir se já há algum plano previsto – e em que moldes e timing – para o pagamento das dívidas que já estão em atraso, o que poderia constituir um desafogo de tesouraria para muitas empresas e um estímulo significativo para a economia. De facto, a dívida não financeira das Administrações Públicas ascendeu a 2308 M€ no final de maio, segundo dados da DGO (Ministério das Finanças).

1.3. Novo regime de atração de talento (IFICI+, Incentivo fiscal à investigação científica e inovação)

“Regulamentação do IFICI1+” (criado no Orçamento de Estado de 2024, OE-24, em substituição do Regime do Residente Não Habitual, mais abrangente, que vigorou por mais de uma década) – aplicável a “investigadores e trabalhadores altamente qualificados que, não tendo sido residentes fiscais nos últimos 5 anos em Portugal, se tenham tornado residentes”, como refere o OE-24 – para “abranger um conjunto mais alargado de profissões qualificadas e empresas”, segundo se lê na medida do novo governo.

O regime prevê a aplicação de uma taxa de 20% sobre os rendimentos do trabalho (categorias A e B), tendo em vista a captação de talento ‘não residente fiscal’. Como está, a medida cria uma injustiça fiscal em relação a residentes fiscais qualificados, o que também acontecia com o anterior regime.

Defendo uma proposta mais alargada e genérica de retenção e atração de talento nacional e estrangeiro, em substituição desta medida do IFICI+ e a do IRS Jovem (apresentada anteriormente de forma separada), que o FMI recentemente considerou de eficácia duvidosa (na redução da emigração jovem) e geradora de uma elevada perda fiscal, além de poder gerar problemas na limitação do benefício até aos 35 anos.

A proposta a que me refiro, já apresentada em traços gerais noutros espaços de opinião e gizada pelo Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da Faculdade de Economia do Porto, visa estabelecer uma ligação da dedução de IRS Jovem atual à obtenção de novas qualificações superiores (a formulação atual, do anterior governo PS, apenas exige o 12º ano, a escolaridade mínima), independentemente da idade, mas tendendo a beneficiar sobretudo os mais jovens. Esta dedução seria aplicada por um período generoso, mas limitado, logo após a obtenção das novas qualificações superiores (licenciatura, mestrado ou doutoramento) – em Portugal ou no estrangeiro –, e ser graduada positivamente em função do nível de qualificação, incentivando a procura contínua de novas competências e aumentando a produtividade individual. Seria aplicável a trabalhadores em território nacional, independentemente de terem sido residentes fiscais ou não nos anos anteriores. Este regime de IRS ‘novo talento’ (mais ou menos jovem) ultrapassa os problemas das medidas que visa substituir.

1.4. Definição de uma estratégia nacional para a reindustrialização sustentável – Indústria 2045

Subscrevo a visão de reindustrialização apresentada no programa, mas a medida carece de densificação e, por isso mesmo, de articulação com as outras cinco medidas dedicadas especificamente à indústria, que são apresentadas separadamente (Programa de Formação para a Inovação Tecnológica Nacional, Programa Nacional de Proteção da Inovação, Revisão do Código da Propriedade Industrial, Programa Rede de Fornecedores Inovadores, Programa de desenvolvimento da indústria tecnológica de suporte a infraestruturas científicas) e deveriam ser antes subpontos da estratégia, a meu ver.

Mais importante, dada a importância reconhecida da reindustrialização para a elevação sustentável do potencial de crescimento económico, reduzindo a nossa dependência do turismo, parece-me estranho que o número de medidas específicas para o turismo (16) supere largamente o das dirigidas unicamente à indústria (6, excluindo medidas também aplicáveis a outros setores), refletindo-se também num número superior de medidas com financiamento empresarial associado, embora a falta de informação sobre os custos impeça uma comparação da afetação global de financiamento por setores.

2. Medidas relevantes da área económica do Programa eleitoral da AD que estão ausentes

2.1. “Estimular um mercado de trabalho dinâmico”

A este nível, retenho sobretudo a proposta eleitoral da AD de “Modernizar as regras para confrontar a segmentação do mercado e ajustar às transformações no mundo do trabalho”. O programa de governo foi pouco ambicioso, a meu ver, em matéria de flexibilidade laboral, que é também crucial para a resposta das empresas na aceleração da economia e deveria estar contemplada no pacote económico do governo.

2.2 “Promover uma Justiça económica célere e amiga da competitividade e do desenvolvimento”

A reforma da justiça económica deveria também integrar o pacote, por condicionar a vida das empresas.

Muito mais poderia ser abordado, mas a limitação de espaço levou-me a concentrar o meu contributo nos temas que considero mais relevantes.