Rute Serra, Expresso online

Deixamos ainda outro alerta que nos parece relevante: reformar a administração pública terá de caber num espaço maior que aquele que ocupa a simples deslocação física de serviços e a extinção de outros. Nesse espaço maior convirá que não se esqueçam as pessoas

No rescaldo do susto pregado pela França ao mundo civilizado, ao deixar às portas da governação na primeira volta eleitoral, o bloco de extrema-direita que se apresentou a votos, felizmente derrotado a final, que não se iluda ninguém e mantenham-se os sinos a dobrar, que o que nos ameaça paira ainda no horizonte.

Vivemos numa Europa intimidada pelo ressurgimento de nativismos, nacionalismos, conservadorismos, fascismos, ditaduras, populismos e outros quejandos que tais, na qual o até aqui considerado “voto de protesto” vai paulatinamente transformando-se num “voto de convicção”, dos que sofrem de déficit de memória (recente). Os fenómenos de ascensão da extrema-direita pelos países europeus, mais do que circunstâncias constatadas e logo de seguida relativizadas, devem antes suscitar, isso sim, uma nova relação entre eleitos e cidadãos.

Esta nova relação deverá assentar, por um lado, num restabelecimento urgente da confiança nas instituições e no robustecimento firme da importância da nossa participação cívica e, por outro, no compromisso genuíno dos governos para com uma governação saudável. Não se inventou ainda nenhum artifício para resolver os problemas complexos que as nossas sociedades ocidentais atravessam e que sedimentam a vacuidade na qual a promessa de “mão forte” vai fazendo o seu caminho, por entre os destroços das governanças falhadas.

Um dos principais pilares desta nova governação deve ser o combate intransigente (e realmente comprometido) à corrupção, tema feito dogma dos extremismos. Nenhum sistema democrático é de facto legítimo quando permite a disseminação, pelas suas instituições, deste veneno. Ao invés, permite alimentar a ilusão propalada em discursos populistas das extremas-direitas, enquanto enfraquece a eficácia de qualquer medida, agenda ou estratégia.

Quando se dá pública fé de querer prevenir e combater a corrupção e reformar a administração pública, convirá não esquecer que para além das políticas e das intenções, é necessária a ação consistente, pensada, planeada e efetivamente executada. Esta ação importa o reforço das instituições de fiscalização e controlo (e não a sua extinção pura e simples) e o rigor aplicados na investigação e na punição (reformando antes, portanto, o que tiver de ser reformado). Deixamos ainda outro alerta que nos parece relevante: reformar a administração pública terá de caber num espaço maior que aquele que ocupa a simples deslocação física de serviços e a extinção de outros. Nesse espaço maior convirá que não se esqueçam as pessoas. Será também através da promoção da transparência – de modo consistente e acessível aos cidadãos – que melhor garantiremos uma participação cívica informada e, logo, significativa.

É neste compromisso genuíno (e atenção porque a genuinidade é percetível a olho nu), de empoderamento dos cidadãos e de enriquecimento da governação dentro da diversidade de perspetivas que se impulsionam as democracias, que a verdadeira essência se revela.

E onde, a final, se dissolverão as ilusórias expetativas.