Pedro Moura, Expresso online

Com os smartphones os gigantes da internet transformaram os consumidores em produtos, que vendem miliardariamente dentro de segmentações sócio-demográficas conveniente. Os smartphones evoluíram o estatuto de consumidor para consumível

AS ESTATÍSTICAS DA DEPENDÊNCIA

Sobre o debate relativo à utilização de smartphones por parte da população, encontrei um estudo interessante do qual partilho aqui alguns dados. Embora o estudo ("Black Mirror or Black Hole? American Phone Screen Time Statistics", Harmony Healthcare IT) tenha sido feito nos Estados Unidos, vou assumir, neste âmbito que os padrões comportamentais serão partilhados por muitos países, incluindo Portugal.

Em média o tempo passado a olhar para um smartphone por dia são 4 horas e 37 minutos, ou seja 1,3 dias por semana, 5,3 dias por mês, 2,15 meses por ano. A olhar para um smartphone.

59% dos inquiridos confessou usar o seu smartphone em conjunto com o uso da retrete, e 48% admitiu fazer zombie scrolling (o ato de ‘varrer’ aplicações sem absolutamente nenhum objetivo, somente por hábito).

Curiosamente, 52% dos inquiridos admite serem demasiado dependentes dos seus smartphones, 40% afirma estar a tentar reduzir a utilização de smartphones, mas destes, 27% admite não acreditar ser bem sucedido neste objetivo.

A medida que mesmo assim me pareceu mais paradigmática, do ponto de vista de dependência, foi a de que 74% dos inquiridos terem indicado que ficam nervosos se não sabem onde está o seu smartphone.

A OPINIÃO

Os smartphones são um exemplo espetacular do engenho humano, colocando nas mãos de cada pessoa um computador 120 milhões de vezes mais potente que o computador que levou o homem à Lua pela primeira vez. Para além deste facto, a conectividade global em que todos estamos embebidos sem sequer pensarmos nisso era pura ficção científica há uns anos atrás.

Mas como com todas as tecnologias, há sempre riscos.

A auto-alienação às mãos de smartphones é uma realidade para muita gente. A substituição de convívio físico pela incessante troca de mensagens e visualização infindável das ‘vidas dos outros’ num coletivo exercício de cusquice como nunca se viu nos anais das história humana, levando ao aumento preocupante do isolamento social, com todas as consequências que tal acarreta. A ansiedade da resposta do outro, a necessidade imperativa da resposta ao outro. O automatismo de sacar do smartphone se houver 5 segundos disponíveis, evitando qualquer tipo de tempo para pensar no que quer que seja. A reação imediata a tudo, tudo, sobretudo tudo o que estiver dentro da ‘bolha social’ que os algoritmos das redes sociais aperfeiçoaram ao nível de arte. A diminuição do sentido crítico, o exacerbar do groupthink, o desdém pelo debate e pelo confronto de ideias, o fomento de populismos e outras ‘bronquices’.

Com os smartphones os gigantes da internet transformaram os consumidores em produtos, que vendem miliardariamente dentro de segmentações sócio-demográficas conveniente. Os smartphones evoluíram o estatuto de consumidor para consumível. O consumível sorri nos posts em que tenta mostrar a sua maravilhosa vida, ou range os dentes numa qualquer indignação em que tenta demonstrar a sua consciência política ou cívica. Talvez enquanto está sentado na retrete.

Escrevo isto e parte de mim acha que estou a ser demasiado moralista, retrógado, velho do Restelo. E acho que é verdade. Há muitas vantagens que os smartphones trazem, inegáveis. Talvez seja só uma tecnologia demasiado recente, à qual as pessoas e a sociedade ainda estão a aprender a usar. Todavia, os impactos negativos atuais são demasiado reais para não haver quer um debate a grande escala sobre estes fenómenos, quer a nível das comunidades, escolas e famílias.

Infelizmente as famílias encontraram nos smartphones um aliado poderoso para neutralizar as crianças, reduzindo a maçada que é ter de as aturar. Aliás, quase apostaria que uma percentagem demasiado elevada dos pais aproveitam a neutralização dos seus filhos para poderem, por sua vez, se poderem neutralizar a si próprios nas suas bem merecidas 4 horas e 37 minutos, ou seja 1,3 dias por semana, 5,3 dias por mês, 2,15 meses por ano a olhar para os seus smartphones.

Pela minha parte, tento explicar estas coisas aos meus filhos para os tentar levar a passar menos nos smartphones, e a usarem, sempre que possível, os seus polegares, sentidos, mente e tempo a tentarem ser mais que produtos de gigantes da internet, broncos acéfalos ou gente que vive a sua vida nas vidas maravilhosas das pessoas maravilhosas que enchem a internet.

E vocês?