José António Moreira, Expresso online

Alternativa, o recurso à teoria da mola. Faz-se pressão sobre o défice, adiando pagamentos, fazendo cativações de despesa, não concretizando investimento no setor público… e a ilusão aparece, aos olhos dos cidadãos, simples, brilhante, bonita. O problema está “resolvido”

"Uma mola (do italiano molla) é um objeto elástico flexível usado para armazenar a energia mecânica.”

(Wikipedia)

Quando se comprime uma mola, sobre ela aplicando uma dada força, o seu tamanho encolhe na razão direta desta, criando a ilusão de que o corpo físico da mola se reduz. Ilusão, de facto, pois deixando de se exercer tal força a mola distende-se, voltando ao seu tamanho inicial.

Não é necessário ter-se formação em engenharia ou área conexa para perceber tal funcionamento. É do senso comum, da experiência de todos os dias. Porém, quando o dito objeto elástico não está presente, nem todo o cidadão tem a capacidade de utilizar a teoria da mola – chamemos-lhe assim – com vista a “resolver” problemas do quotidiano. No grupo restrito dos que o conseguem fazer, estão, em lugar de destaque, os políticos a quem são assacadas responsabilidades governativas.

Pense-se na necessidade de controlar o défice orçamental do país. Uma solução passaria pela reforma do Estado com vista ao ajustamento da despesa pública, de modo a adequá-la à receita fiscal arrecadada. Trata-se de solução trabalhosa, socialmente impopular, penalizadora dos resultados eleitorais do partido que por ela optar.

Alternativa, o recurso à teoria da mola. Faz-se pressão sobre o défice, adiando pagamentos, fazendo cativações de despesa, não concretizando investimento no setor público … e a ilusão aparece, aos olhos dos cidadãos, simples, brilhante, bonita. O problema está “resolvido”.

Porém, sendo prestidigitação de gabarito, ninguém nota que o contraponto aos resultados propagandeados é a crescente pressão que a mola incorpora; ninguém compreende que a passagem do tempo e a não erradicação do cerne do problema exige mais e mais pressão; ninguém pensa na impossibilidade de comprimir indefinidamente a mola. O resultado real desta escolha alternativa irá aparecer, mais cedo do que tarde. Um leve alívio da pressão e todos os demónios financeiros que a mola escondia em si mesma e se julgavam erradicados ressurgem, mais fortes do que nunca, impossíveis de domar.

Veja-se o que se está a acontecer após a mudança de governo. É um facto que as promessas feitas em campanha eleitoral foram petróleo que se atirou para cima de uma mola incandescente. Mas o problema financeiro do défice do Estado, por detrás da ilusão criada, não estava resolvido. Apenas estava comprimido, pronto a saltar cá para fora. As reivindicações salariais e remuneratórias que de repente se fizeram sentir na esfera do Estado são o aspeto visível das forças até agora domadas sob pressão.

Um outro recente exemplo da adoção da teoria da mola, é o caso da TAP. Há poucos meses, quando se conheceram as contas da empresa relativas ao ano 2023, mostrando pela primeira vez em muitos anos um resultado positivo, muitas foram as vozes que se levantaram contra o crime que seria vender a “galinha dos ovos de ouro” que era a transportadora aérea. Mais um ato de prestidigitação, que a todos iludiu. A pretensa restruturação a que teria sido sujeita, quando lá foi necessário injetar milhares de milhões de euros de fundos públicos, na verdade não passou da aplicação da teoria da mola, em que a melhoria da exploração se ficou a dever a medidas temporárias de compressão da despesa, nomeadamente ao nível salarial. Aliviada a pressão, à medida que o temporário perdeu o prazo de validade e os efeitos na despesa voltaram de par com novas promessas remuneratórias, o problema ressurgiu, aumentado: as contas do primeiro trimestre de 2024 apareceram tingidas de vermelho. Mentes otimistas dirão que o primeiro trimestre não é o melhor período do ano e que tradicionalmente a cor vigente nas contas a ele associadas é a referida. É um facto que tal período tem uma componente sazonal não despicienda, mas não é menos relevante que este primeiro trimestre beneficiou a empresa com um contexto deveras favorável ao nível do preço dos combustíveis e com um incremento da procura. O aumento do prejuízo antes de impostos em 57%, relativamente ao primeiro semestre do pretérito ano, não augura nada de bom para o total do ano, agora que a pressão sobre a mola deixou de ser exercida.

Em face de um problema, manter as coisas como estão, esperando que os resultados futuros sejam diferentes, é do domínio da fé. O recurso à teoria da mola, que apenas serve como exercício de ilusionismo, tantas vezes espelha mais a falta de coragem dos governantes para reformar o Estado, do que a ausência de votos no Parlamento para fazer aprovar as leis necessárias. Olhe-se o passado recente.