António João Maia, Expresso online
As questões da integridade e da prevenção da fraude e da corrupção devem estar associadas a todos os procedimentos de uma organização, mas não são o seu foco central. Não são questões da sua natureza funcional. Ainda assim, não deixam de ser componentes importantes que devem ser acompanhadas em permanência
O Regime Geral de Prevenção da Corrupção, que foi adotado em final de 2021 (através do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro), trouxe para as organizações, publicas e privadas, a obrigatoriedade de adoção de medidas de promoção e reforço da integridade e de prevenção da fraude e da corrupção.
Todos sabemos que o pacote de instrumentos que está associado a essas medidas é constituído essencialmente por:
- Códigos de Conduta (definidores dos valores e princípios éticos das organizações, e das correspondentes condutas ou comportamentos esperados de todos os seus trabalhadores, incluindo os dirigentes de topo);
- Planos de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas (documentos de levantamento e sistematização dos riscos de fraude e corrupção associados a cada uma das atividades funcionais da organização, e das correspondentes medidas preventivas previsivelmente mais eficazes);
- Canais de Denúncia (instrumentos para despistar e punir, quando comprovadas, ocorrências de irregularidades de fraude e corrupção que subsistam na organização);
- Programas de Formação e Comunicação (para reforçar o envolvimento dos trabalhadores e dos dirigentes da organização na cultura de integridade, incluindo no conhecimento e reflexão sobre o sentido e utilidade dos Códigos de Conduta, dos Planos de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas; dos Canais de Denúncia e do Sistema de Controlo Interno);
- Sistema de Controlo Interno (plano ou desenho estrutural e de articulação das políticas, métodos e instrumentos de controlo interno, incluindo o Código de Conduta, o Plano de Prevenção de Riscos e o Canal de Denúncias), e;
- Responsável pelo Cumprimento Normativo (com funções de coordenação e dinamização da articulação, e acompanhamento da execução, dos diversos instrumentos do Regime Geral de Prevenção da Corrupção, numa perspetiva de garantir o seu cumprimento por todos os trabalhadores e dirigentes, e também de eventuais necessidades de atualização, numa dinâmica de melhoria contínua).
É verdade que, de uma maneira geral, com maiores ou menos dificuldades, as entidades, sobretudo as que têm 50 ou mais trabalhadores (entidades obrigadas), têm vindo gradualmente a adotar os referidos instrumentos. E fazem-no desde logo porque, nos termos do mesmo diploma, estão previstas coimas para o seu incumprimento.
Porém, como será bom de perceber, o medo de poder ser punido não deverá ser a única, nem a maior, razão para a adoção dos instrumentos indicados. Eles são, pela sua natureza, potencialmente adequados para, em conjunto e devidamente articulados, promoverem e aprofundarem a cultura de integridade numa organização, com os consequentes efeitos de reforço da credibilidade e confiança junto dos cidadãos, dos parceiros, dos concorrentes, dos mercados, e da sociedade em geral.
Os referidos instrumentos devem ser, assim, inspiradores da confiança e geradores de responsabilidade junto de todos os que exercem funções (trabalhadores e dirigentes) na organização. Por isso, devem ser elaborados com o envolvimento e contributo de todos, pelo menos dos dirigentes e trabalhadores mais antigos, e devem conter medidas realistas, credíveis e exequíveis.
Essas medidas devem, naturalmente, ser verificadas e executadas em permanência, sob pena de não se aferir nem se garantir adequadamente a sua eficácia. É esta a grande responsabilidade do Responsável pelo Cumprimento Normativo.
Por outro lado, pela natureza das coisas, sabemos que o foco central de uma organização, e de todos os que a servem, é o cumprimento da sua função. Afinal, a verdadeira razão da sua existência. Por exemplo, um Hospital está naturalmente focado na prestação de cuidados de saúde, uma Escola estará focada no ensino dos seus alunos, uma empresa de canalização vive focada no serviço que presta aos eus clientes, e assim sucessivamente. Mal da organização cujo foco central se transforme na fraude e na corrupção.
Significa isto, por outras palavras, que as questões da integridade e da prevenção da fraude e da corrupção, estando associadas a todos os seus procedimentos, não são o seu foco central, nem têm, na maior parte dos casos, grande relação direta com as atividades que desenvolvem. Não são questões da sua natureza funcional, se assim se pode dizer.
E será sobretudo por esta razão que, nos termos do mesmo diploma legal, devem ser realizados e apresentados ciclicamente (em abril e outubro de cada ano) relatórios de execução dos instrumentos do Regime Geral de Prevenção da Corrupção com indicação dos ajustes e correções necessários, na já referida dinâmica da melhoria contínua.
E será também neste enquadramento, de reforço da atenção permanente sobre o cumprimento dos referidos instrumentos e cuidados, que deverá ser entendida a recentemente recomendação do MENAC (Recomendação 7/2024, de 28 de maio) relativa à apresentação mensal de informação da mesma natureza.