Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Passados mais de dois anos desde o início de guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, vários dados apontam para uma perda acrescida de importância do setor industrial nacional, precisamente o oposto do intuito de acompanhar a preconizada reindustrialização europeia – uma visão que ganhou força na lógica de autonomia estratégica europeia da retoma pós-covid –, também ela uma miragem, embora a dinâmica para o conjunto da União Europeia (UE 27) seja menos desfavorável do que a de Portugal.
O peso da Indústria (extrativa e transformadora, mais energia e águas/saneamento) no Valor Acrescentado Buto (VAB) nacional em valor reduziu-se de 17,1% no 4.º trimestre de 2021 para 16,5% no mesmo trimestre de 2023 (menos 0,6 pontos percentuais, p.p.), o 9.º valor mais baixo da UE 27, enquanto no conjunto da União se assistiu a uma subida tímida, de 20,1% para 20,4% (mais 0,3 p.p.). Tal significa, em termos relativos, que o peso do nosso VAB industrial desceu de 85,1% do registado na UE para 80,9%.
Em simultâneo, a queda ligeira do peso do emprego desses setores industriais no mesmo período (menos 0,2 p.p., de 16,5% para 16,3%) foi um pouco menor do que observada na UE 27 (menos 0,3 p.p., de 15,7% para 15,4%), refletindo-se numa elevação do peso relativo, de 105,1% para 105,8% da média europeia.
Estas dinâmicas (usando a informação disponível no Eurostat, na ótica das contas nacionais dos países) traduzem-se num recuo da produtividade relativa da nossa indústria desde o início da guerra, passando de 80,9% para 76,4% da média da UE 27.
Para essa deterioração da produtividade relativa terá contribuído a redução, entre os trimestres em análise, da taxa de investimento da nossa economia – o peso do investimento, medido pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), no PIB –, de 20,4% para 19,6%, que é o 9.º valor mais baixo da UE 27.
Isto, apesar dos investimentos do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) – que terá de acelerar espetacularmente para ser ainda possível executar tudo até 2026 –, de Portugal estar afastado do teatro de guerra (que penalizou o investimento e a atividade nos países europeus próximos) e de a nossa energia renovável, antes cara face ao gás barato da Rússia que abastecia o centro e leste da Europa, se ter tornado relativamente barata, sendo sabido que a energia é um dos principais fatores de custo na indústria.
Tanto se fala de atração de investimento, de que estamos a progredir nesse campo, mas os dados disponíveis para a indústria em termos de emprego e VAB, acima descritos, são preocupantes.
Além da boa execução dos fundos europeus, para crescer mais e de forma sustentada, Portugal precisa de ter uma poupança interna superior, que permita elevar a taxa de investimento da economia e a produtividade (da indústria e dos demais setores). É, por isso, fundamental incentivar a poupança das famílias, mas também a das empresas, reduzindo os custos de contexto que penalizam a sua capacidade de gerar lucro e de investir na expansão da sua capacidade. Em 2022, o rácio da poupança interna no PIB situou-se em 19,3%, o 5.º valor mais baixo em 25 países com dados da UE 27, onde a média foi 24,8%. Em 2023, o rácio de poupança aumentou0,6 p.p., para 20,9%, mas na média da UE 27 também houve uma subida da mesma magnitude (0,6 p.p., para 25,3%), pelo que o posicionamento relativo não se terá alterado de forma muito significativa (os dados disponíveis para esse ano abrangem ainda pouco países).
A desindustrialização patente nos dados refletiu-se numa redução do peso das nossas exportações de bens no PIB (menos 1,8 p.p., de 29,3% no 4.º trimestre de 2021 para 27,5% no mesmo trimestre de 2023; dados na ótica das contas nacionais) superior à registada na UE (menos 1,4 p.p., de 37,5% para 36,1%).
Apesar de tudo, o peso das nossas exportações totais no PIB até aumentou nesse período (de 45,3% para 47,1%), em resultado de uma acentuada subida das exportações de serviços (de 16,0% para 19,7% do PIB) – a refletir, sobretudo, a evolução do turismo, devido à imagem de Portugal como país bonito e seguro, longe da guerra –, enquanto na UE se registou um recuo de 52,6% para 51,6% do PIB.
A especialização no turismo acentuou-se neste período, levando Portugal a passar da 15.º para a 11.ª posição na UE em termos de peso dos serviços no PIB, só não progredindo ainda mais posições devido aos valores muito elevados de exportação de serviços financeiros em países com fiscalidade muito inferior.
Isto apenas confirma aquilo que tenho vindo a dizer, que Portugal se tornou ainda mais dependente no setor do turismo, cujo abrandamento em curso já se ressente no conjunto da economia – para este ano, o Governo projeta uma redução da taxa de crescimento económico para 1,5%.
Como se trata de um setor de baixa produtividade (em geral) e sujeito uma procura externa muito volátil e sazonal, é crucial que Portugal reduza a sua dependência, apostando mais na indústria – bem como, de forma interligada, na agricultura –, para que possa exportar de bens de maior valor acrescentado, assim como na exportação de serviços de alto valor tornados possíveis pela economia digital.
Como se sabe, numa pequena/média economia como a portuguesa, a elevação sustentável do nosso nível de vida, compatível com o equilíbrio externo, depende da internacionalização crescente das nossas empresas e do alargamento do nosso mercado ao exterior.
Ao nível do turismo, é importante procurar evoluir cada vez mais para segmentos de maior valor acrescentado e sustentabilidade – até porque o turismo de massas, além da menor receita associada, tem mais custos, dada a forte pressão que exerce sobre as infraestruturas nacionais e o próprio ambiente – e que reduzam a sazonalidade, pois esta penaliza os ganhos globais e a capacidade de atrair mão-de-obra e talento pelo setor, em que estamos (excessivamente, a meu ver) especializados.
A digitalização dos vários setores é instrumental para a elevação da sua produtividade e capacidade exportadora, potenciando, assim, um alargamento do mercado (interno, via produtividade, e externo).
Quanto a dados já para este ano, o destaque do INE do comércio internacional de mercadorias no 1.º trimestre evidenciou uma queda homóloga significativa dessas exportações (-4,2%), mas que, corrigida pelos dias úteis, traduz uma estagnação (0,5%). Seja como for, a trajetória acentua a tendência recente de perda do peso das exportações de bens no PIB, que terá aumentado relativamente mais em termos nominais (1,4% em volume, mais o que tiver sido o aumento do deflator, desconhecido nesta altura).
Estes são apenas alguns dos desafios com que se defronta a economia nacional, mas também a europeia. Na verdade, agora que se aproximam as eleições europeias, seria importante que o tema da reindustrialização e, em geral, a elevação do potencial de crescimento de Portugal e da UE 27 – que cresce muito menos que os EUA e, sobretudo, a China, países que estão a disputar a hegemonia mundial – fosse abordado pelos candidatos nacionais a eurodeputados, confrontando as diferentes visões dos respetivos programas eleitorais na área económica (Portugal e UE) para elucidar os cidadãos eleitores.