Pedro Moura, Expresso online

Conheço muitos funcionários públicos que são exímios profissionais, com uma dedicação exemplar ao serviço público, e que embora também se queixem de salários que gostavam que fossem superiores, não é por isso que degradam a sua atitude profissional. Muitas vezes são estes que efetivamente resolvem os problemas e as situações, tantas vezes criadas por incompetência e negligência de colegas.

Um dos temas mais debatidos por políticos, comentadores e a população é a degradação dos serviços públicos.

‘Debatido’ talvez seja um exagero, uma vez que geralmente se usa o tópico como arma de arremesso entre partidos, ganha-pão do ‘comentariado’ e passatempo de café e redes sociais das gentes em geral.

Infelizmente, e tanto quanto conheço, há pouca informação objetiva e quantitativa sobre este tópico facilmente disponível (mesmo com inúmeros projetos ao longo de décadas para criar ‘dashboards’ com ‘KPIs’).

Assim, o tal ‘debate’ é, na prática, pouco mais que ‘bitaitada’, um dos desportos nacionais de eleição.

Não me assemelha complexo criar uma estrutura centralizada de indicadores atualizados em permanência que permita aferir a qualidade dos serviços públicos assente em métricas claras e relevantes.

Desafio o leitor a pensar durante uns minutos: como avaliaria a qualidade do serviço das escola dos seus filhos, do seu Centro de Saúde / USF, dos tribunais onde possa ter um processo, da resposta das forças de segurança ou do INEM, do atendimento e resolução de problemas nas Finanças, Segurança Social ou na sua Junta de Freguesia ou Câmara Municipal, do tratamento eficaz de processos de imigração na AIMA (ex-SEF?) ou de renovação de Cartões de Cidadão ou Passaportes, do estado dos serviços de manutenção de vias rodoviárias e infra-estrutura pública, recolha de lixo ou outros serviços da responsabilidade das autarquias? Certamente terá ideias relativamente concretas a nível de quantidade, tempos e sucesso da relação entre o Estado e pessoas singulares e coletivas.

É dito velho, mas com razão: o que não se mede não se gere.

DOS DIREITOS E DOS DEVERES

Talvez seja um bocado ‘quadrado’, mas os meus pais sempre me ensinaram que não há direitos sem deveres. Isto a propósito de uma linha de conversa que tende a surgir neste tema da degradação dos serviços públicos: o dinheiro que se gasta nos serviços públicos, nomeadamente em recursos humanos.

Gente mais à esquerda tende a dizer que se deve investir mais (sempre mais), gente à direita costuma afinar pelo contrário.

A mim não me faz, teoricamente, espécie pagar impostos. Creio firmemente numa sociedade livre, de matriz liberal e economia aberta, com um Estado que assegure um conjunto de serviços essenciais ao País (não necessariamente sem participação dos Privados) e assegure que ninguém fica para trás.

O que naturalmente incomoda é a sensação (já que não há facilidade de ter indicadores objetivos) do dinheiro que é gerado pelo trabalho do povo ser gasto de forma sub-ótima (estou a ser simpático).

Ou seja, e indo à minha alma de engenheiro, trata-se aqui da relação entre os recursos gastos (dinheiro impostos) e os outputs (serviços públicos em quantidade e qualidade).

Sobre a evolução da qualidade dos serviços públicos, assumo que para além da perceção, há um fundo de verdade no diagnóstico popular que indica ‘degradação continuada’ dos mesmos.

Sobre os recursos, optei por recorrer a alguns números.

TRABALHADORES SETOR PÚBLICO

Degradação dos serviços públicos

O número de funcionários públicos tem vindo a aumentar desde 2014 (saldo líquido de +89.043 até 2023, ou +13,6%), tendo a população mantido, grosso modo, o mesmo valor. Ou seja, pelo menos no que toca a recursos humanos tem havido um aumento proporcional de funcionários do setor público em relação à população a servir.

De nota que, em teoria, a digitalização e automatização progressiva da Função Pública deveria atuar como fator de diminuição da necessidade de recursos humanos neste setor. Tal não se verifica, aparentemente.

Naturalmente há muito fatores que contribuem para o não aumento da qualidade dos serviços prestados pelo estado, desde metodologias de gestão e organização obsoletas, falta de qualidade das chefias (muitas vezes exacerbado por nepotismo político), falta de indicadores e transparência, ‘legislativismo’ e excesso de burocracia, etc.

Mas há um outro fator da maior importância nesta equação da qualidade dos serviços públicos: motivação e ética profissional dos servidores públicos. Os casos de pessoas que todos encontram na função pública com má-vontade, total inflexibilidade e absoluta falta de motivação para resolver os problemas e fazer o seu trabalho são mais que muitos. Infelizmente uma maçã podre numa equipa consegue estragar todo o cesto.

Os funcionários públicos em Portugal ganham pouco, menos que o que se desejaria. Mas tal acontecer com a esmagadora maioria da população. O gráfico seguinte assim o demonstra, mas mostrando a ainda enorme diferença de média salarial entre setor privado e público (com clara vantagem para este último).

REMUNERAÇÃO BRUTA MENSAL MÉDIA

Degradação dos serviços públicos

Um mau trabalhador numa empresa privada corre o risco de ser despedido. Um mau trabalhador no setor público não.

Conheço muitos funcionários públicos que são exímios profissionais, com uma dedicação exemplar ao serviço público, e que embora também se queixem de salários que gostavam que fossem superiores, não é por isso que degradam a sua atitude profissional. Muitas vezes são estes que efetivamente resolvem os problemas e as situações, tantas vezes criadas por incompetência e negligência de colegas. No final do dia, tendem, em média, a ter menos sucesso de carreira que os ‘culambistas’.

Tem de haver uma moralização generalizada da função pública no sentido de uma superior ética de serviço e de um tratamento baseado no mérito e não nas relações.

Lutar por direitos e mais salário: SIM. Desempenhar os deveres que lhes são acometidos: SIM.

A maré quando sobe é para todos. Quando desce também.