Rute Serra, Expresso online

No que concerne à definição (ou reformulação) de Estratégias Nacionais Anticorrupção, não existem soluções de tamanho único, como se compreende. Existem, contudo, boas práticas identificadas em documentos produzidos por diversas entidades internacionais, que aglutinam experiências de outros países, que iniciaram, aliás, o percurso, antes de nós

Se queremos executar muito, e bem, temos obrigatoriamente de planear muito, e bem e de avaliar muito, e bem. Nem sempre, contudo, assistimos a um eficaz ciclo de gestão de políticas públicas que permita, a quem governa, evitar navegar à vista ou resvalar para o isomorfismo que certas decisões revestem.

Para que as estratégias nacionais se desacomodem do plano literalmente litúrgico, alheio ao escrutínio de parceiros relevantes e amiúde esquecidos, importa mitigar o enfado que promessas eleitorais, as mais das vezes vãs, transformadas em programas de governo que não se querem ocos, provocam nos cidadãos sempre que ouvem falar de prevenção e repressão da corrupção. É difícil confiar, sempre que palavras não correspondem a ações: veja-se o exemplo da última tentativa de regulamentar o lóbi em Portugal, chumbada então, por quem agora nos governa, ao abrigo de um direito potestativo. Os apregoados consensos devem corresponder a ações efetivas.

E por falar em consensos, parece-me relativamente estável entre representações parlamentares, o desígnio que o artigo 215.º da Lei do Orçamento de Estado para 2024 preconiza: a Estratégia Nacional Anticorrupção (ENAC) deve conter metas verificáveis e mecanismos de controlo (não devia ter sido esta estrutura respeitada quando a ENAC 2020-2024 foi planeada?), garantir formação especializada a magistrados (em adesão a recomendações do GRECO), através do reforço de estratégias de interoperabilidade e de incremento de recursos humanos dedicados à investigação criminal. Redutor, face ao que falta fazer? Provavelmente, se quisermos avaliar eficazmente a Estratégia em vigor, em especial, no que concerne ao seu real impacto. E resta dizer que este é o momento de preparar essa avaliação, a qual deverá ser relatada até 30 de novembro e sujeita a escrutínio público.

Convirá que, ao contrário do que demasiadas vezes se assiste, não sejam ultrapassadas as etapas do ciclo de gestão deste tipo de documentos. É que o n.º 3 do artigo citado prevê a criação de um grupo de trabalho para pensar a nova Estratégia (2025-2028), concomitantemente à avaliação que estará a ser produzida, da Estratégia anterior. Confuso, se considerarmos a deficiente densificação da Estratégia em vigor? Evidentemente. Documentos que preconizem políticas públicas, em especial com tamanho grau de abstração, devem evitar dispor de lugares-comuns e antes, concretizar um planeamento abrangente ao nível dos objetivos que se pretendem atingir, identificar os meios e o respetivo grau de interoperabilidade de entidades e sistemas, prever prazos (de monitorização e execução) e ser claros quanto à disponibilidade dos recursos, financeiros e operacionais.

No que concerne à definição (ou reformulação) de Estratégias Nacionais Anticorrupção, não existem soluções de tamanho único, como se compreende. Existem, contudo, boas práticas identificadas em documentos produzidos por diversas entidades internacionais, que aglutinam experiências de outros países, que iniciaram, aliás, o percurso, antes de nós. São vários os fatores-chave de sucesso, a par dos óbices, já identificados.

Acautele-se, portanto, a efetiva vontade política, que deve resistir aos ciclos governativos e abordar holisticamente as reformas encetadas ou a encetar, de todos os setores da governação, na elaboração atempada do documento. Garanta-se a adoção de uma Estratégia que seja suficientemente ampla e abrangente, mas equilibrada com a capacidade de priorizar e sequenciar a sua implementação. Assegure-se uma entidade, no nosso caso, um MENAC, com a liderança, competência técnica e recursos aptos ao que se exige deste tipo de entidades. Provenha-se uma Estratégia à prova de bala, conseguida com o real envolvimento da sociedade civil, da comunicação social e da administração pública.

E pode ser que assim, ultrapassados que sejam estes desafios, se consiga, finalmente, dar vida para além da letra, à Estratégia Nacional Anticorrupção.