António João Maia, Expresso online
A vontade política pode ser entendida como o compromisso dos atores políticos para empreenderem ações tendentes a alcançar um determinado objetivo, neste caso na promoção da integridade e na prevenção, controlo e punição da fraude e da corrupção
Na mais recente crónica de reflexão que publiquei neste espaço – Controlar a corrupção em Portugal - haverá vontade política? – explorei o sentido das diversas recomendações apresentadas a Portugal nos últimos Relatórios de avaliação do Grupo de Estados Contra a Corrupção, para verificar que, no seu todo, nos instam à necessidade de aumentarmos a eficácia do controlo da corrupção, nomeadamente nas áreas da transparência e prevenção de conflitos de interesses no exercício das mais elevadas funções de soberania politica, nas funções judiciais, e também nas funções de caráter policial e securitário.
Verificámos também, numa leitura mais abrangente, que os resultados deste tipo de avaliações internacionais, pelo rigor metodológico e objetividade que os caracteriza, devem ser assumidos como oportunidades únicas para o fortalecimento da democracia e do seu modo de funcionamento. E esta componente assume no presente uma particular importância para Portugal, porque celebrarmos os cinquenta anos de abril de 74, e porque nos encontramos numa circunstância muito particular em que, precisamente por suspeitas de corrupção, estamos em período eleitoral para escolha de nova composição das lideranças políticas para a macrogestão do Estado (governo central e, com alguma probabilidade, nos próximos meses, também na Região Autónoma da Madeira).
Vimos ainda, a finalizar, como a denominada vontade política assume reconhecidamente uma importância fulcral para o desenho e adoção de medidas concretas a adotar para um controlo potencialmente mais efetivo do problema dos conflitos de interesses, e para a promoção da transparência e da prevenção da corrupção.
A vontade política é um conceito que tem sido muito estudado pela academia, sobretudo nos campos da ciência política e da gestão pública, muito por associação à problemática do desenho das denominadas políticas públicas, incluindo quanto às questões da promoção da integridade e da transparência, e da prevenção e controlo dos conflitos de interesses, da fraude e da corrupção.
De modo muito simples, a vontade política pode ser entendida como o compromisso dos atores políticos para empreenderem ações tendentes a alcançar um determinado objetivo, neste caso na promoção da integridade e na prevenção, controlo e punição da fraude e da corrupção, como é referido por exemplo por Brinkerhoff, em “Unpacking the concept of political will to confront corruption”.
E, precisamente porque estamos em campanha para as legislativas de 10 de março, vejamos as propostas eleitorais que as duas maiores forças políticas em presença nos apresentam para traduzir em medidas, no caso de virem a exercer a governação.
O Programa da Aliança Democrática apresenta um quadro de propostas de regulamentação sobre: a regulação do lobbying; a reforma institucional das entidades públicas especializadas na transparência e prevenção de corrupção; a implementação da “Pegada Legislativa” do Governo; a garantia da rastreabilidade de todos os atos e procedimentos da administração pública e de todos os órgãos do Estado; a instituição do Scoring de Ética e Integridade (SEI) para as entidades públicas; a reforço das regras de transparência e do controlo dos conflitos de interesses; a cessação de funções automáticas e imperativas dos dirigentes públicos em regime de substituição durante mais de 9 meses; a garantia do cumprimento efetivo das normas de publicação no portal BASE; a criação da figura do provedor do utente em serviços públicos; o alargamento das normas anticorrupção aos partidos políticos; o recurso às tecnologias digitais para aumentar a transparência e reduzir a burocracia nos processos de decisão pública; o reforço da consulta pública nos processos legislativo e regulamentar do Governo; a publicação de todas as decisões judiciais quando estejam em causa crimes associados à gestão pública; a criminalização do enriquecimento ilícito; o reforço dos recursos humanos, materiais, organizativos e tecnológicos disponíveis para o combate, investigação e ação penal; o agravamento das sanções previstas no Regime Geral de Prevenção da Corrupção; o agravamento da pena acessória de proibição do exercício de função pública; o alargamento e reforço das medidas de direito premial do Código Penal; a fixação no Código do Processo Penal do limite máximo de 72 horas para decisão jurisdicional após detenção; a inclusão de conteúdos curriculares sobre a prevenção e o combate à corrupção nos diferentes níveis de ensino; a divulgação das boas práticas e os casos de sucesso na prevenção e no combate à corrupção.
Por sua vez, o Programa do Partido Socialista apresenta, para o mesmo âmbito, o seguinte quadro de propostas: a regulação das atividades de representação de interesses junto de entidades públicas, envolvendo o registo de transparência das interações com decisores públicos; a regulação dos mecanismos de monitorização da pegada legislativa; o reforço da eficácia da ação da Entidade da Transparência; o reconhecimento da experiência de vários anos de aplicação da primeira geração de códigos de conduta das instituições públicas, promovendo a sua revisão e atualização, tendo em conta, designadamente, as recomendações de entidades internacionais como o GRECO ou a União Europeia e beneficiando do debate público dos últimos anos; a revisão do enquadramento legislativo no domínio do acesso à informação e aos documentos da Administração Pública; dar continuidade ao desenvolvimento do portal Mais Transparência, como agregador digital de prestação de contas; assegurar a execução das medidas constantes da Estratégia Nacional Anticorrupção em vigor e dar inicio imediato à preparação da estratégia para o quadriénio seguinte; o reforço dos recursos do Mecanismo Nacional Anticorrupção e do envolvimento de todas as entidades públicas no apoio às suas funções.
As propostas das duas forças políticas são pertinentes, adequadas e ajustadas. Na sua essência e independentemente do maior ou menor detalhe, grande parte delas não apresentam grande distinção, na medida em que propõem o reforço da transparência na gestão pública.
Porém, mais importante do que as propostas, o que importará mesmo será a forma concreta que vierem a assumir por mão de quem vier a exercer a governação. Só aí estaremos em condições de aferir a efetiva expressão da motivação política para o reforço da transparência, do controlo dos conflitos de interesses e da prevenção da corrupção na gestão pública, na certeza de que o que está em causa – a qualidade e a confiança na governação pública, e a credibilidade da própria democracia – é demasiadamente importante para ser negligenciado.