Mário Tavares da Silva, Expresso online
Seria, pois, interessante e avisado, em nosso entender, sobretudo nesta primeira fase, e no plano de uma atuação de natureza exclusivamente preventiva ou, se se preferir, no quadro de uma designada “supervisão preventiva” (e não na base de uma atuação de natureza sancionatória) relativa a medidas legislativas recentes, de caráter inovador e especificamente orientadas para uma determinada finalidade que pudesse uma entidade como o MENAC, tomando por base as obrigações decorrentes do RGPC, identificar concretamente áreas de risco exclusivamente centradas nestas recentes e mais sensíveis medidas legislativas
Uma das questões mais sensíveis abordada pelo GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) no quadro mais alargado das medidas de prevenção e combate à corrupção a desenvolver e a implementar por Portugal, prende-se com as limitações ao exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, como aliás se divisa, com meridiana clareza refira-se, dos resultados constantes do relatório relativo à 5.ª ronda de avaliação, iniciada em 20 de março de 2017 pela equipa do GRECO e publicado no passado dia 10 de janeiro.
Nesse documento da maior importância para Portugal, o GRECO reconhece como positiva a existência de regras em vigor sobre as restrições pós-emprego para os membros do Governo, não deixando, no entanto, de notar que em Portugal, após o termo dos respetivos mandatos, alguns ministros terem assumido posições no âmbito do sector privado e, mais concretamente, em áreas pelas quais teriam tido responsabilidades durante o mandato anteriormente exercido. Complementarmente, o GRECO sinaliza, ainda, a importância de Portugal dispor de um mecanismo de supervisão, capaz de identificar, de forma tempestiva e eficaz, as situações irregulares e de assim permitir aplicar, se e quando se identifique uma violação efetiva das restrições pós-emprego, as pertinentes sanções.
Já no que respeita diretamente aos membros dos gabinetes, o GRECO regista que a única restrição pós-emprego existente é a que se aplica às funções de inspetor-geral e de subinspetor-geral, não se descortinando quaisquer outras restrições à obtenção de emprego, incluindo, naturalmente, no sector privado. É, pois, sem surpresa, que o GRECO aponta a necessidade de ir mais longe, aprofundando a abordagem do fenómeno das «portas giratórias» por parte dos membros dos gabinetes que deixem o cargo para ocuparem posições profissionais no setor privado, procurando por essa via mitigar o risco de ocorrência de situações de conflitos de interesses e de potencial, abusiva e indevida utilização de informação a que hajam acedido no quadro das anteriores funções exercidas nos gabinetes governamentais, em benefício do novo empregador.
Com o objetivo de endereçar essas preocupações, o GRECO sugere também que se equacione a adoção de medidas que passem, por exemplo, por garantir a proibição de procurar um novo emprego durante o exercício de funções, numa espécie de período de reflexão (ou o designado cooling-off period) antes que se possa assumir um novo cargo ou de imposição de restrições a certo tipo de atividades ou mesmo pela adoção de um mecanismo por via do qual os membros dos gabinetes, incluindo o do Primeiro-Ministro, devam obter aprovação quanto às novas atividades que pretendam vir a exercer após a prestação de serviço público.
Sobre o universo das preocupações vertidas no relatório GRECO, é para nós claro que a que se relaciona com a abrangência e real eficácia da Lei que aprova o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos se constitui, sem dúvida, como uma das mais relevantes, circunstância que foi naturalmente tida em consideração na alteração recentemente publicada a esse mesmo regime legal.
Esta alteração (a quarta refira-se) visa precisamente reforçar o combate às denominadas «portas giratórias» entre os cargos políticos e os grupos económicos, reforçando, simultaneamente, o regime de impedimentos do exercício de cargos em empresas privadas por parte de titulares de cargos políticos executivos e, bem assim, o respetivo regime sancionatório.
Fica agora mais clara a esfera de situações que podem efetivamente constituir impedimento do exercício de cargos em empresas privadas por parte de titulares de cargos políticos de natureza executiva, prevendo-se que estes últimos não possam exercer, pelo período de três anos contado a partir da data da cessação do respetivo mandato, por si ou através de entidade em que detenham participação, funções em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado e que, no período daquele mandato, tenham sido objeto de operações de privatização, beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual ou, ainda, relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular de cargo político.
Estes impedimentos terão, obrigatoriamente, de ser observados, pois a não o serem, determinarão a inibição dos respetivos infratores no exercício de cargos políticos e de altos cargos públicos por um período que vai agora de três a cinco anos, prevendo-se, igualmente, no que constitui aliás uma interessante medida de reforço, que as entidades que procedam a essas contratações em contravenção com o regime agora previsto fiquem impedidas de beneficiar de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual por um período de três a cinco anos.
Sobre estas medidas de reforço da transparência e dos impedimentos inerentes ao exercício de cargos políticos e altos cargos públicos, foi emitida nota, no quadro da respetiva promulgação efetuada pelo Presidente da República, das potenciais dúvidas relativas à aplicação prevista dos referidos impedimentos, designadamente a entidades privadas, que decidam pela contratação de antigos titulares de cargos políticos, em violação do referido regime legal. No quadro das dúvidas assinaladas quanto à necessidade de garantir um efetivo e eficaz controlo sobre essas entidades privadas, que procedam a contratações ao arrepio do quadro legal agora aprovado, parece-nos que poderá ser muito relevante, como possível resposta, o papel que o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) poderá vir a assumir no futuro da eficácia e, naturalmente, do próprio sucesso, na implementação, aplicabilidade e observância prática destas medidas por parte de entidades privadas.
Não podemos olvidar nesta medida, como aliás já temos vindo a assinalar, que aos planos de gestão de riscos de corrupção e infrações conexas (agora planos de prevenção de riscos ou PPR), o sistema legal se apresenta hoje mais robustecido com a presença e ação de uma entidade dotada de efetivos poderes contraordenacionais, como sucede com o MENAC.
Nesta medida, as entidades do setor público e do setor privado terão agora de saber desenvolver, implementar e, sempre que necessário, atualizar, os seus programas de cumprimento normativo e todos os importantes documentos e instrumentos de controlo que os devem corporizar, militando entre eles os (PPR), os códigos de ética e de conduta, os programas de formação, os canais de denúncia e, por fim, mas não com menos importância, a relevante escolha e designação do responsável pelo cumprimento normativo.
É neste inovador plano de equiparação, material e formal, que o Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC) soube, em boa hora, prever e tratar de operacionalizar entre entidades públicas e privadas, sobretudo no tocante às obrigações que sobre ambas faz impender em matéria de cumprimento de regras de prevenção, controlo e de transparência que, em nosso entender, residirá a chave do sucesso das medidas agora aprovadas e de outras que, entretanto, o possam vir a ser no quadro do reforço dessa mesma transparência.
Seria, pois, interessante e avisado, em nosso entender, sobretudo nesta primeira fase, e no plano de uma atuação de natureza exclusivamente preventiva ou, se se preferir, no quadro de uma designada “supervisão preventiva” (e não na base de uma atuação de natureza sancionatória) relativa a medidas legislativas recentes, de caráter inovador e especificamente orientadas para uma determinada finalidade que pudesse uma entidade como o MENAC, tomando por base as obrigações decorrentes do RGPC, identificar concretamente áreas de risco exclusivamente centradas nestas recentes e mais sensíveis medidas legislativas, avaliando, nesse primeiro momento, os instrumentos de controlo que as entidades, designadamente de natureza privada, lhe submetem, e procurando efetivamente perceber, com base nessa diversificada e valiosa informação de que irá passar a dispor (ou já dispõe mesmo) se e quais as medidas (adotadas ou a adotar) se mostram mais adequadas a mitigar, adequada e eficazmente, os riscos de ocorrência de inconformidades ou de violações do regime legal agora publicado em matéria de «portas giratórias» e, por essa via, contribuir, também, de forma construtiva e pedagógica, para uma melhor literacia ética do universo das entidades com as quais se relaciona.
Não se trata, pois, em circunstância alguma, de inventar a roda, pois ela já existe.
Trata-se sim, a nosso ver, de potenciar, da forma mais eficaz possível, o relevante papel que o MENAC já dispõe, permitindo-lhe, sempre que identifique riscos não cobertos pelos controlos existentes no quadro do funcionamento e atuação das entidades (públicas e privadas), emitir alertas dirigidos a essas mesmas entidades e, desse modo, evitar a ocorrência de situações patológicas de incumprimentos do regime legal em vigor, com todos os impactos negativos que essas situações por regra acarretam, seja para o Estado de direito como um todo, seja para a reputação do próprio contratado, seja, ainda, para a imagem reputacional da própria entidade contratante.
Mais do que corrigir o mal feito, devemos procurar evitar que essas situações ocorram. Para isso, temos os instrumentos e importa agora passar à ação, contando com todos, pois só assim, poderemos ambicionar ser bem-sucedidos nesta exigente tarefa de uma sociedade mais ética e mais transparente.