Mariana Fontes da Costa, Expresso online
O grande desafio do governo das sociedades nos dias de hoje é traçar orientações que continuem a promover a sustentabilidade interna de longo prazo da sociedade comercial, sem fazer perigar a sustentabilidade externa à empresa
Em frente ao aeroporto de Copenhaga, na fachada de um imponente edifício de vidro, aparece exposta em destaque, sob a forma de slogan publicitário de um grupo de consultoria nórdico, uma das mais recentes versões do cubo de Rubik do governo das sociedades comerciais: “Rock or Roll. Profit or Purpose”.
Num contexto jurídico-económico – e, sobretudo, social - crescentemente pos-friedmaniano, muitos são os debates, e mais ainda as posições, sobre o papel que ocupam e o que deve ser exigido às sociedades comerciais em matéria de responsabilidade social.
Na linha da frente desta acelerada encruzilhada, de dimensão quase filogenética, encontram-se as crescentes preocupações e/ou responsabilizações das empresas em matéria ambiental, social e de governo, traduzidas na conhecida sigla anglo-saxónica “ESG”.
Se muito apaixonadamente se tem discorrido, no debate público, sobre o E(nvironmental) e o S(ocial), muito menos destaque tem merecido nesta tríade o G(overnance), qual parente tecnocrata, sem rock, nem roll.
Mas as boas práticas de governo das sociedades estão para as exigências de implementação e reporte das boas práticas de responsabilidade ambiental e social como os bons tutoriais estão para a resolução do cubo de Rubik: alicerçado numa vasta análise, investigação e experiência sobre os mecanismos e estruturas em que assentam a vida das empresas, o corporate governance constitui um inestimável repositório e um valioso guião sobre as melhores práticas para a gestão e controlo das sociedades comerciais.
Não é preciso fazer um grande esforço de pesquisa, nem sequer de memória, para identificar as consequências desastrosas que uma incorreta ou insuficiente implementação das boas regras de governo das sociedades tem na resiliência e na sustentabilidade de longo prazo das empresas; muitos são, infelizmente, os exemplos recentes.
Porém, não nos percamos no exercício fácil e inconsequente do fatalismo. Há indícios claros e dados concretos que apontam no sentido de uma crescente consciência e preocupação do tecido empresarial português com as matérias do governo societário. E há, sobretudo, um esforço efetivo da sociedade civil, em articulação próxima com as autoridades de supervisão, para dar uma resposta adequada e frutuosa às aspirações e legítimas preocupações das empresas que procuram orientações para evoluir nestas matérias.
Em Portugal, essa resposta encontra-se, em grande medida, plasmada no Código de Governo das Sociedades do Instituto Português de Corporate Governance, em vigor desde 1 de janeiro de 2018 e adotado pela generalidade das empresas emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, aí se incluindo a totalidade das empresas que integram o índice PSI. O código é de adesão voluntária por qualquer empresa e, atualmente, é composto por 60 recomendações, anualmente monitorizadas por uma comissão independente, segundo uma regra de comply or explain e princípios de colaboração e confidencialidade.
Ao nível das PME´s existem também razões para estar atento: no âmbito do projeto Metamorfose, foi colocado recentemente à livre disposição de todas as empresas um Guia de Melhores Práticas de Corporate Governance para PME, resultante de uma colaboração entre o Instituto Português de Corporate Governance e a Associação Business Roundtable Portugal, e encontra-se em fase de conclusão uma ferramenta de autodiagnóstico do acolhimento dessas práticas pelas empresas.
No universo das empresas, o roll não subsiste sem o rock. O grande desafio do governo das sociedades nos dias de hoje é traçar orientações que continuem a promover a sustentabilidade interna de longo prazo da sociedade comercial, sem fazer perigar a sustentabilidade externa à empresa, tendo em conta o impacto da atuação desta na comunidade como um todo.