Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Sendo a palavra “Economia” um termo feminino, proponho analisar a sua “atratividade” para investir e trabalhar no contexto da União Europeia (UE), num concurso virtual que vou designar de “miss” economia UE, para que o artigo se torne mais apelativo e de fácil leitura, procurando também explicar de forma acessível os termos mais técnicos que sejam necessários.
A atratividade da economia aos olhos dos investidores e trabalhadores (nacionais e estrangeiros), faz aumentar a sua “beleza”, refletindo-se em crescimento económico – de forma simples, a capacidade de a economia gerar riqueza, que é depois distribuída por todos.
Nesse concurso virtual de “beleza”, ganha quem tem maior crescimento económico de forma sustentável, permitindo um aumento consecutivo do “bolo de riqueza” e da parte que cabe a cada um, que se traduz em nível de vida e capacidade aquisitiva de bens e de serviços.
Naturalmente, para além da substância dos atributos que conferem atratividade – produto de políticas públicas adequadas a esse propósito –, a “maquiagem” e um discurso articulado (no fundo, a apresentação) são também uma parte relevante da “beleza”, traduzindo-se na capacidade de transpor uma imagem apelativa, positiva e confiante a trabalhadores e investidores, e que a ação (a execução das políticas públicas) seja consonante com o discurso, cumprindo as promessas.
A ideia é avaliar os atributos da “miss” economia Portugal com as congéneres europeias em termos de atratividade e competitividade, de modo a diagnosticar alguns dos aspetos a melhorar para que, a prazo, consigamos ganhar o concurso, ou seja, sermos campeões de crescimento económico e atingir um nível de vida mais próximo das economias no topo da tabela.
O campeão de crescimento económico tem sido invariavelmente a Irlanda (5,3% ao ano entre 1999 e 2022, segundo dados do Eurostat), significando que os seus fatores de atratividade são muito fortes, onde se inclui uma das mais baixas taxas de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) da UE. Pelo contrário, Portugal registou o terceiro ritmo de crescimento mais baixo no mesmo período (0,9% ao ano), estando, por isso, perto do fundo da tabela em nível de vida (na 20ª posição em 2022, a oitava pior, segundo dados do Eurostat).
Isto porque a atratividade da nossa economia é baixa para investidores e trabalhadores, ou seja, a economia portuguesa não é “sexy”!
Ao nível da fiscalidade, Portugal tem um nível de esforço fiscal que não tem parado de aumentar e é dos mais altos da UE, significando que a carga fiscal (o peso dos impostos e contribuições sociais no PIB, que mede a riqueza gerada num ano), em sucessivos máximos históricos, é elevada face ao nosso nível de vida em termos relativos.
Tal acontece porque Portugal tem das maiores taxas máximas de IRC, que incide sobre as empresas, precisamente quem investe e cria emprego na economia, enquanto as nossas taxas de Imposto sobre o Rendimento Singular (IRS) são elevadas para níveis relativamente baixos de rendimento e pouco generosas para com os jovens talentosos que dispõe.
Acresce que a instabilidade fiscal é permanente e todo o sistema fiscal é ineficiente, complexo, burocrático e confuso para empresas e trabalhadores, daí que Portugal esteja geralmente no topo do infeliz indicador de número de horas necessárias para, num ano, cumprir com as obrigações fiscais. Há coisas bem mais interessantes e importantes para fazer com o nosso tempo – pessoal e de trabalho –, decerto todos concordarão.
Como as taxas de imposto são elevadas, multiplicam-se os benefícios fiscais, num emaranhado que, muitas vezes, só alguns percebem e se aproveitam, gerando uma cultura de opacidade que é um mau princípio de um sistema fiscal.
A atração de investimento direto estrangeiro, em vez de ser promovida por uma melhoria da competitividade fiscal, é também prosseguida com benefícios opacos em grandes projetos e promessas de resolução dos problemas de burocracia, que terão estado na origem das investigações de tráfico de influências (pelo menos) a vários ministros, levando à queda do atual governo, agora de gestão.
Taxas menores, menos benefícios (apenas os realmente importantes) e simplificação são princípios basilares de uma reforma fiscal que devem ser prosseguidos pelo próximo governo.
A elevada fiscalidade é um dos principais fatores de perda de atratividade da nossa “miss” economia porque absorve recursos de trabalhadores e empresas /investidores, mas também porque reflete um Estado ineficiente e incapaz de prestar melhores serviços atendendo à elevada carga fiscal que pratica.
A pouca agilidade e eficiência da administração pública (excessivamente burocrática) e, nos últimos anos, uma enorme deterioração na resposta dos serviços públicos de saúde e educação – mesmo com a fiscalidade em máximos –, acompanhada de uma gritante incapacidade de antecipar e solucionar os problemas na área da habitação, são outros fatores de repulsão de trabalhadores, sobretudo jovens, e, indiretamente, de investimento, pois não há empresas sem trabalhadores disponíveis.
A endémica falta de uma cultura de mérito que perpassa a sociedade, de inveja do sucesso alheio e de “bota-abaixismo” é promovida insistentemente pelos partidos de esquerda, pois uma empresa gerar lucro (no fundo, aquilo para que foi criada) e um indivíduo ganhar muito dinheiro (mesmo que fruto do seu mérito) são alvos de crítica constante e de propostas de nova tributação ou outras penalizações.
Este discurso é muitas vezes propagado pelos media sem o correspondente tempo de antena para contra-argumentação dessa visão, que é prejudicial para o país. Se uma empresa é grande e gera lucro, é um “alvo a abater”, assim como um indivíduo com rendimento acima da média – mesmo que objetivamente baixo em termos europeus – deve ser altamente tributado porque há pobres. Em ambos os casos, muitas empresas lucrativas e indivíduos de sucesso, que poderiam gerar atividade de elevado valor acrescentado em Portugal, simplesmente vão-se embora. Esse é o resultado final e mede-se no baixo crescimento económico que temos assistido em Portugal.
Uma variante desse discurso é o de que “as grandes empresas são más e as pequenas são boas” (a segunda parte da frase foi uma evolução de discurso de esquerda de há uns anos a esta parte), como se as grandes não tivessem nascido pequenas e, por isso, é preciso tributa-las cada vez mais, quando um dos problemas de falta de produtividade em Portugal é precisamente termos uma baixa proporção de grandes empresas em comparação com o resto da UE, sabendo-se que são tendencialmente as mais produtivas, com maior capacidade de inovação e geração de valor acrescentado, e as mais exportadoras.
Não é de admirar esse baixo peso, pois todo o sistema está montado para apoiar as pequenas e expulsar as grandes – ou apoiá-las de forma opaca –, basta ver que a tributação em IRC é progressiva (taxas maiores para patamares de lucro superiores), o que não acontece na generalidade dos outros países.
Se há falta de concorrência em alguns setores, deve-se procurar eliminar barreiras à entrada, fortalecer o poder dos reguladores setoriais e evitar gerar rendas excessivas, algo que não foi acautelado muitas vezes no passado. Não tributar grandes empresas quando o imposto é devido e justo, como no caso da venda das barragens do Douro pela EDP – privando os respetivos municípios de receitas indispensáveis ao desenvolvimento local e prejudicando a coesão nacional –, é outro caso de abandono do interesse público claro por parte do governo.
Não admira, por isso, que a nossa taxa de investimento seja muito baixa face aos outros países europeus e, em conjunto com todo o contexto aqui descrito, leve a níveis de produtividade dos mais baixos da UE, explicando que a maioria das empresas não consiga pagar salários suficientemente elevados aos nossos jovens qualificados para que possam cá trabalhar e constituir família, num círculo vicioso que compromete o futuro do país e me entristece profundamente.
Para o baixo investimento contribui também a baixíssima taxa de poupança das famílias, a refletir a elevada tributação da poupança, além do baixo rendimento disponível, motivado por baixos salários – simultaneamente causa e consequência da baixa produtividade da economia – e a elevada fiscalidade sobre o rendimento.
Por sua vez, a elevada fiscalidade, o baixo rendimento e o mau desenho dos apoios sociais são fatores promotores da economia paralela, que terá atingido cerca de 35% do PIB em 2022, significando menos receitas fiscais para suportar o Estado Social.
Nas próximas eleições legislativas de 10 de março, a opção parece clara entre quem quer tornar a economia mais “sexy” e elevar o potencial de crescimento económico – nomeadamente por via da promoção do mérito, da redução da fiscalidade excessiva e de um aumento substancial da eficiência do Estado – e quem quer continuar o mesmo estado de coisas, mantendo o “bolo de geração de riqueza” diminuto e continuando a subir a carga fiscal para ter o que redistribuir em pequenos pedacinhos, mas muito bem apresentados para parecerem grandes, como que por magia, qual ‘milagre da multiplicação dos pães’ para atribuir aos grupos de eleitores mais relevantes.
Coisas que trabalhadores e investidores certamente não querem ouvir de um candidato a primeiro-ministro porque tornam a economia menos “sexy”: (i) novos aumentos da carga fiscal, (ii) maior intervenção do estado na economia (o que tem significado invariavelmente mais impostos e carga fiscal, a prazo), ajudando sectores específicos (empresas de amigos?!); ou frases como (iii) “ou os senhores [banqueiros alemães] se põem finos ou nós não pagamos a dívida”, (iv) os problemas da economia e sociedade portuguesa “já são muito antigos” e, portanto, de difícil resolução, o que não augura nada de bom quanto à capacidade para os superar, (v) assim como ‘requentar’ promessas não cumpridas no passado, pois ‘agora é que é’.