Marcus Braga, Jornal i online
A transparência no setor público permite a circulação de informações sobre o orçamento, as ações e o desempenho dos agentes públicos e é uma força poderosa que instrumentaliza a avaliação pelo público
Na obra de Platão, A república, datada de cerca de 2400 anos atrás, Sócrates narra a história de um pastor chamado Giges e que obtém um anel que lhe permite ficar invisível, e a capacidade de ser inimputável derivada desse poder leva esse homem a agir de forma antiética, usando o pensador essa história para exemplificar que o medo de ser detectado, e consequentemente responsabilizado, afetaria tanto o homem justo quanto o injusto.
Passado tanto tempo da sabedoria de Sócrates, que ensina a não superestimar aspectos morais intrínsecos, mostrando a importância de mecanismos inibidores de condutas impróprias, tem-se no estudo da corrupção associada a questão da economia comportamental, discussões similares na obra do pesquisador israelense Dan Ariely, indicando a propensão desonesta da conduta do indivíduo quando ele pode se beneficiar com a desonestidade sem prejudicar a sua auto imagem.
A possibilidade de ser detectado, e consequentemente ser sancionado caso não atue regularmente, a essência da ideia de accountability, é um poderoso regulador das políticas públicas, e para isso é preciso se quebrar o anel da invisibilidade que é usado pelos agentes públicos, dada as assimetrias informacionais de sua atuação com a percepção da população, por conta de diversas razões.
Emerge assim a importância da transparência no setor público, que permite a circulação de informações sobre o orçamento, as ações e o desempenho dos agentes públicos, como força poderosa que instrumentaliza a avaliação pelo público e por instâncias especializadas, mobilizando governos para a eficiência, independente das percepções morais que se tenha desses agentes, concordando com a sabedoria de Sócrates.
A forma de fazer transparência pode afetar pouco o poder de invisibilidade do gestor. Quando a transparência se fundamenta em aspectos dissociados da relação da política pública com o cidadão, se prendendo a detalhes, gera informação pouco útil para que seja aferido pela população a eficiência da atuação estatal.
Da mesma forma, quando a transparência apresenta informações complexas e não traduzidas para a população em geral, ou ainda, ignora aspectos derivados da economia comportamental, da chamada arquitetura de escolhas, e oferece a informação com uma estruturação que não favorece a melhor atuação do cidadão de posse desta, esse potencial de accountability se vê prejudicado.
Transparência é uma poderosa arma na luta anticorrupção, mas importa saber como fazê-la, dialogando com a lógica desse anel de milênios, que não pode ser ignorada.