Óscar Afonso, Expresso online
Entre o século XIX e o 1974 tivemos instabilidade política ou uma má estabilidade, em ambos os casos com pouca qualidade de políticas
A história económica mostra que a instabilidade social e política foi uma das primeiras causas do atraso económico de Portugal – que no tempo dos Descobrimentos tinha um dos níveis de vida mais altos entre as principais potências da altura –, impedindo-nos de apanhar a ‘onda’ da primeira Revolução Industrial.
De facto, os vários conflitos internos do século XIX – Guerra Civil, golpes no reinado de Dona Maria II –, geradores de instabilidade financeira, foram seguidos pela instabilidade política que caracterizou a Primeira República (entre 1910 e 1926).
Pelo contrário, o período do Estado Novo (de 1933 até 1974, antes da Revolução do 25 de abril) foi marcado por uma estabilidade de regime, mas que se revelou ditatorial, corporativista e que fechou o país do exterior durante muito tempo, impondo um atraso adicional muito prolongado.
Claramente, entre o século XIX e o 1974 tivemos instabilidade política ou uma má estabilidade, em ambos os casos com pouca qualidade de políticas.
Esta primeira incursão histórica mostra já que a estabilidade política é importante, mas não a qualquer custo, pois deve ser acompanhada por políticas públicas de qualidade, promotoras de instituições mais fortes e do progresso económico e social em geral, colocado ao serviço da população e do seu bem-estar.
Ou seja, só a qualidade das políticas determina uma estabilidade política sustentável e virtuosa, o que se veio a confirmar subsequentemente.
Com a adesão de Portugal à União Europeia (UE) em 1986, fomos forçados a adotar um conjunto de políticas de maior qualidade (o designado ‘aquis communautaire’) e a abrir a economia à concorrência externa, marcando um dos melhores períodos da economia portuguesa, com uma forte convergência real com os níveis de vida mais elevados da UE, que durou até à adesão ao euro, um processo que também impulsionou a economia portuguesa, mas em grande medida devido à convergência nominal, devido à descida das taxas de juro na sequência do processo de desinflação. Nessa altura, a qualidade das políticas – ainda que, em parte, impostas pelo exterior – sustentou uma estabilidade política duradoura.
Contudo, a adesão ao euro implicou a perda de instrumentos de política (monetária e cambial), pelo que a entrada no novo milénio exigia uma qualidade acrescida das políticas públicas face ao contexto externo – onde se realça a entrada da China na Organização Mundial de Comércio – com os instrumentos remanescentes, o que claramente não sucedeu, pois Portugal divergiu da UE entre 1999 e 2022.
Na década de 2010, os agentes económicos claramente não estavam preparados para lidar com taxas de juro historicamente baixas, levando a um elevado endividamento de famílias e empresas – que apostaram sobretudo em projetos abrigados da concorrência externa, com rentabilidades mais elevadas e menor risco, em muitos casos com patrocínio dos governos da altura, que não souberam contrariar o mau rumo da economia com os instrumentos disponíveis e em conjunto com o Banco de Portugal –, o que levou a um forte desequilíbrio externo insustentável, na origem do pedido de ajuda externa à Troika de credores, que aplicou um processo de ajustamento severo em Portugal entre 2011 e 2014.
Desse processo de ajustamento, em que foram adotadas várias reformas para aumento da competitividade, surgiu um resultado estrutural importante: o aumento da intensidade exportadora da economia nacional, que suportou a retoma económica subsequente.
Contudo, nestes últimos oito anos de governos – desde a ‘geringonça’ até ao mais recente Governo de maioria absoluta –, muitas das reformas foram revertidas e a competitividade da economia piorou, sobretudo a nível fiscal, com a carga fiscal a atingir sucessivos máximos, determinando um elevado esforço fiscal face à UE, tendo em conta o nível de vida relativo.
Acresce que o ‘mantra’ das ‘contas certas’ (para tentar ‘purgar’ da opinião pública o pedido de ajuda externa do governo de José Sócrates) , que tem sido propagandeado pelos governos de António Costa tem sido conseguido sobretudo com efeitos nominais – primeiro, as taxas de juro diretoras próximas de zero do BCE e, desde 2022, a elevada inflação, que fez empolar as receitas públicas sem que o governo reduzisse a taxa de imposto média para poupar a população, pois a carga fiscal continuou a aumentar –, a par com as famosas cativações iniciadas quando Mário Centeno era Ministro das Finanças, das quais resultaram quase 6 mil milhões de euros de investimento público por executar entre 2016 e 2022.
O resultado está à vista: temos contas públicas ‘certas’ à custa das famílias e das empresas, e os serviços públicos estão a ‘rebentar pelas costuras’, desde a saúde, à educação e à política de habitação pública, mas não havia necessidade se as ‘contas’ certas fossem, como devia ser, com crescimento económico. Acresce que, perante o caminho seguido, em outras áreas os resultados são também genericamente maus, pois há contestação geral dos funcionários públicos e da população, sendo os mais pobres os mais afetados, o que é paradoxal tratando-se de um governo socialista.
Claramente, apesar da maioria absoluta, a estabilidade política estava já em causa devido aos maus resultados económicos e sociais – já para não falar dos inúmeros casos políticos que se têm sucedido, gerando atritos com o Presidente da República – antes do escândalo que levou esta semana o Primeiro-ministro a pedir a demissão, na sequência de suspeitas de corrupção em torno dos negócios do lítio e do hidrogénio verde envolvendo o próprio e pessoas próximas, pouco tempo depois do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ter denunciado “a corrupção instalada”.
A verdadeira estabilidade política surge de políticas públicas de qualidade. Esperemos que, desta vez, os portugueses consigam aprender a lição nas esperadas novas eleições antecipadas.