Miguel Viegas, Jornal i online

O fundo de investimento “World Opportunity Fund” (WOF) está sediado nas Bahamas, certamente por boas razões… É, portanto, pouco provável que venhamos a saber quem controla de facto este fundo que passou a controlar uma parcela importante do espaço mediático português

Foi anunciado recentemente o controlo por parte do Fundo de investimento “World Opportunity Fund” (WOF) do grupo Global Media, proprietário de diversos órgãos de comunicação social, entre os quais se destacam o Diário de Notícias (DN), Jornal de Notícias (JN) e a rádio TSF. Com estas movimentações, o WOF fica igualmente proprietário de 22,35% da agência LUSA. A digitalização dos media e as elevadas receitas publicitárias que daí decorre têm, ao longo dos últimos anos, suscitado grande atenção por parte de grandes grupos económicos e financeiros, gerando dúvidas legítimas sobre eventuais condicionamentos do trabalho jornalístico. Contudo, este caso concreto vai mais longe por quanto nem sabemos hoje quem são os donos deste fundo, o que nos remete para uma questão bem atual relacionada com os beneficiários efetivos e as diretivas anti-branqueamento de capitais.

Em nome da transparência, a Diretiva (UE) 2015/849, também conhecida como a Quarta Diretiva Anti Lavagem de Dinheiro da União Europeia (AMLD4), deu passos importantes relativamente à identificação e divulgação do beneficiário efetivo. De acordo com a diretiva (transposta na Lei 83/2017) o beneficiário efetivo é a pessoa física que controla, através da propriedade das participações sociais ou de outros meios, uma empresa, associação, fundação, entidade empresarial, sociedade civil, cooperativa, fundo ou trust. A AMLD4 exigiu ainda que os Estados-Membros da União Europeia criassem registos centrais de beneficiários efetivos, nos quais as informações sobre os beneficiários efetivos de várias entidades legais, como empresas e fundos, devem ser registadas.  

O acesso a esta informação foi sempre objeto de intenso debate. A AMLD4 optou por uma solução salomónica” que dava acesso apenas a entidades com “interesses legítimos”. Mais tarde, a Diretiva (UE) 2018/843 (quinta diretiva anti Lavagem, AMLD5), impôs o livre acesso ao público em geral às informações sobre os beneficiários efetivos de empresas e outras entidades constituídas no respetivo Estados Membro. No entanto, em 22 de novembro de 2022, o Tribunal de Justiça da União Europeia invalidou estas disposições com o fundamento de que este acesso do público em geral constituiu uma interferência grave nos direitos fundamentais de cada indivíduo.

O fundo de investimento World Opportunity (WOF) está sediado nas Bahamas, certamente por boas razões. Sabemos que adquiriu 51% do capital social da Páginas Civilizadas, passando assim a controlar 50,25% da Global Media e 22,35% da Lusa. Apesar das Bahamas ter criado um registo de beneficiários efetivos, o seu acesso não é público e está apenas reservado a residentes. É, portanto, pouco provável que venhamos a saber quem controla de facto este fundo que passou a controlar uma parcela importante do espaço mediático português.

A decisão do TJUE de reprovar o acesso público aos registos sobre beneficiários efetivos das empresas representou um grande revés para o combate ao branqueamento de capitais, mas também para a luta contra a corrupção, a fraude fiscal e outros crimes de colarinho branco. A revisão em curso da diretiva contra o branqueamento de capitais (AMLD6) é uma oportunidade importante para salvar o quadro de transparência empresarial da EU, cumprindo a decisão do TJUE. As futuras regras da UE ditarão que o acesso aos dados sobre os beneficiários efetivos terá de se basear novamente no “interesse legítimo” que tantos obstáculos criou e que “obrigou” ao alargamento do acesso consagrado na AMLD5. A forma como o interesse legítimo será agora determinado e regulamentado será crucial. Mas o mal, já está feito.