Pedro Moura, Expresso online

Será Portugal um lugar para os nossos filhos? Merecerão eles este lugar esconso e provinciano que lhes estamos a deixar em legado? Teremos algo a objetar se eles escolherem outros poisos para fazer a sua vida? Temo que não

Os últimos três anos têm sido rocambolescos, com altos e baixos alternados com uma rapidez por vezes estonteante. Pandemia, isolamento, trabalho remoto, dinheiro barato, populismo, quebras na logística, guerra, polarização, inflação, dinheiro caro, instabilidade generalizada, etc.

Há ciclos, sempre os houve, sempre os haverá, mas a velocidade, a frequência estão a aumentar.

Alguns advogam o final de um ciclo largo, em que o actor principal está a mudar, neste caso dos EUA para a China, e que os sinais que vemos são sobretudo manifestações superficiais deste movimento tectónico em curso.

Talvez.

Confesso não apreciar onde estamos agora. Na minha infância ainda passei pelo final da guerra fria, e lembro-me bem de sonhar com a visão de cogumelos atómicos sobre Lisboa, e de ao acordar pensar se a explosão chegaria à minha casa, na Ramada. Sempre alimentei a esperança de não viver em tempos de guerra, muito menos com uma possível ameaça nuclear. Não é bom.

Embora tenha vivido em tempos de inflação elevada, era ainda demasiado miúdo para ter uma noção real do que tal foi. O meu Pai bem me lembra que na altura as pessoas estavam habituadas, pois necessidades era o que a maior parte delas estava habituada a passar. Hoje, com os orçamentos familiares comprometidos bem longe no futuro, uma taxa de poupança miserável e com uma talvez menor estaleca para se ‘fazerem à vida’, há obviamente pessoas a passar mal. Não é bom.

O isolamento... ah, para o isolamento já nem é preciso pandemia ou ordenar estado de emergência ou proibir saídas à rua para passear o cão ou comprar cigarros. A vida é feita, vivida e ansiada no Face e no Insta, e para relaxar há a Netflix e a HBO. A solidão é acompanhada, as tais doenças mentais despontam e florescem, mas ninguém levanta a porra da cabeça da sua adição cognitiva em todas as carruagens de metro que diariamente uso. Onde estão as mentes capturadas?

E a nossa casa, amigos portugueses, a nossa querida e mui amada pátria, que mãos a guiam e para onde? Escuso-me, por desnecessidade, a tecer quaisquer comentários sobre o estado de Saúde, Educação, Justiça, Habitação, Economia & outras coisecas.

Continuamos a desperdiçar algo que podia ser maravilhoso, a maltratar-nos e à nossa casa pátria, subjugados pela nossa falta de cultura cívica e política, pelo miserabilismo e prepotência de gente que nunca criou nada e se julga no direito de a tudo se permitir com total impunidade, e por um atraso fundamental na capacidade de, assumindo as nossas inseguranças, arriscarmos, definirmos prioridades e tomarmos decisões, individual e coletivamente.

Será Portugal um lugar para os nossos filhos? Merecerão eles este lugar esconso e provinciano que lhes estamos a deixar em legado? Teremos algo a objetar se eles escolherem outros poisos para fazer a sua vida? Por muito que me custe temo que não.

Não têm sido fáceis, estes últimos três anos, como se pode ver pelo tom do que me está a sair dos dedos. Sinto que há algo que se está a perder com tudo isto, algo profundo, algo estruturante, mas não consigo nomear o que seja, nem sequer atribuir-lhe uma qualidade objetiva, alguma materialidade que me permitisse perceber qual o melhor curso de ação para prevenir a perda.

Ou, talvez, esteja somente a ficar mais velho e pessimista com tudo o que me rodeia.