Maria Natália Gonçalves, Jornal i online

Seja qual for a razão que procuremos para explicar a postura imatura dos portugueses em relação ao pagamento de impostos, há um facto incontornável. O Estado não é inocente e quem exerce o poder sabe que há benefícios políticos imediatos na manutenção de um status de iliteracia fiscal.

As recentes Jornadas mundiais da juventude católica, apostólica e romana mostraram que mesmo em terras de laicidade, não é fácil estabelecer a linha que separa o Estado da religião, o natural do espiritual.

A tendência para a mistura não é de agora. Há mais de 2000 anos, quando questionado pelos líderes religiosos acerca da licitude dos judeus pagarem impostos a Roma, Jesus respondeu: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mateus 22:21 ARA).

Pois bem! Após muito ter sido escrito acerca das JMJ, vamos agora restringir-nos ao profano, pois é o espírito de César que está sobre nós quando falamos de impostos e das suas vicissitudes.

Propagou-se a ideia, quiçá justa, de que os povos latinos são visceralmente avessos a pagar impostos e, sempre que podem, furtam-se a fazê-lo. Se assim é, não será indiferente ser nesses países que a fraude fiscal, a economia não registada, a insatisfação e a ineficiência dos serviços públicos parecem atingir os níveis mais elevados.

Não creio que a maioria dos portugueses saiba com propriedade porque paga impostos. E não será certamente apenas por ignorância. Em abono da verdade, há impostos de muito difícil compreensão, como o caso do imposto de selo; anacrónico, na essência, e cobrado quando menos se espera.

Mas não é apenas a falta de clareza sobre o propósito dos impostos que aflige os portugueses. Na verdade, observa-se a percepção generalizada da existência de uma excessiva e injustificada carga fiscal. E talvez não esteja longe da verdade; se tentarmos contar os tipos de impostos cobrados às empresas e aos particulares precisaremos, pelo menos, dos dedos das duas mãos; já para não mencionar o elevado valor de algumas taxas aplicadas, designadamente, em sede de tributação direta.

Creio, porém, que o que realmente dói aos contribuintes portugueses é o facto de nem sempre serem capazes de estabelecer uma relação justa entre o que entregam de impostos e as respetivas contrapartidas em matéria de serviço público. O contribuinte comum nutre uma profunda insatisfação em relação à gestão dos dinheiros públicos nas mais diversas áreas de intervenção do Estado e as recentes decisões tomadas no âmbito da banca e do setor empresarial do Estado, no mínimo, questionáveis sob o ponto de vista da proteção do interesse público, contribuem em muito para o reforço de um sentimento de desconfiança.

Seja qual for a razão que procuremos para explicar a postura imatura dos portugueses em relação ao pagamento de impostos, há um facto incontornável. O Estado não é inocente e quem exerce o poder sabe que há benefícios políticos imediatos na manutenção de um status de iliteracia fiscal.

Mas, Portugal merece uma perspetiva diferente e, por isso, devemos à próxima geração uma verdadeira pedagogia para a cidadania, materializada em currículos escolares que integrem estas questões de forma séria, estruturada e transversal. Temo que sem um movimento intencional de mudança de mentalidade acerca dos termos do relacionamento entre os cidadãos e o Estado em matéria de impostos, seja difícil contrariar a cultura estabelecida.

Enquanto esperamos, voltemos à toalha de praia, afinal estamos em plena estação estival... Mas que o nosso sistema fiscal pesa, ele pesa e – qual hérnia discal – ele dói, e dói muito…