Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

No domingo passado, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, encerrou a sua visita de quatro dias à República Popular da China (RPC), com um saldo talvez um pouco melhor do que era antecipado - dadas as baixas expectativas quanto aos resultados das reuniões, numa altura em que o relacionamento bilateral está num nível historicamente baixo -, mas, ainda assim, claramente insuficiente para atender aos grandes desafios globais da atualidade.

O balanço de Yellen das mais de dez horas de reuniões foi positivo, considerando a visita um "passo em frente" na estabilização das relações entre os dois países, fruto de conversas "diretas, substantivas e produtivas", em que os dois lados aprenderam alguma coisa sobre a contraparte.

Mais concretamente, a secretária do Tesouro considera que a visita "vai ajudar a construir um canal de comunicação resiliente e produtivo com a nova equipa económica chinesa".

Contudo, Yellen admitiu haver ainda "desacordo significativo" numa série de matérias, sublinhando que ninguém esperaria que "uma visita resolvesse tudo da noite para o dia".

Recorde-se que as relações entre os EUA e a RPC têm vindo a deteriorar-se nos últimos anos, incluindo questões como os direitos humanos em Xianjiang e Hong Kong, domínio territorial e segurança internacional - incluindo o apoio dos EUA a Taiwan, que a RPC considera parte integrante do seu território, a que acresce a disputa territorial do Mar do Sul da China -, bem como o crescente domínio industrial da China, temendo-se a sua ascensão também em setores considerados estratégicos pelos EUA (alguns também com potencial militar, como a inteligência artificial e os semicondutores), dando origem a tensões protecionistas crescentes.

A aliança da RPC com a Rússia, antes e durante a atual guerra na Ucrânia, agravou ainda mais os receios dos EUA quanto às intenções das autoridades chinesas e uma possível interferência na segurança e ordem internacionais estabelecidas, com suspeitas fundadas de apoio à campanha militar russa, se não a nível militar, pelo menos, no campo económico, incluindo a fuga da Rússia às sanções económicas do Ocidente para travar o financiamento da guerra.

Seguiu-se uma nova escalada das tensões com a visita a Taiwan, em agosto de 2022, da então presidente da Câmara de Representantes do Congresso norte-americano, Nancy Pelosi, enfurecendo as autoridades chinesas, que conduziram exercícios aéreos e marítimos sem precedentes próximo de Taiwan, aumentando a perspetiva de conflito com a ilha e, possivelmente, com os EUA.

Já este ano, dois incidentes com balões chineses a sobrevoarem os EUA - com potencial para recolha de informações e espionagem -, em fevereiro, adiaram a visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à China, prevista para essa altura nesse mês, para junho.

A visita de Blinken, nos dias 18 e 19 de junho, deu início a uma espécie de "degelo" no difícil relacionamento recente entre os dois países, sinalizado pelo próprio presidente chinês Xi Jinping, que se reuniu com Blinken mesmo não sendo uma figura no mesmo nível da hierarquia.

Essa visita - a primeira de um alto representante dos EUA em quase 15 anos à China - abriu caminho para Yellen poder continuar o processo de estabilização da relação entre os dois países.

Contudo, pouco antes da visita, tinha havido uma nova escalada das tensões protecionistas, com as restrições impostas pelos EUA e outros governos ocidentais à exportação para a China de semicondutores e equipamento necessário ao seu fabrico a terem como resposta das autoridades chinesas a exigência de uma autorização específica para a exportação de gálio e germânio (e derivados) - dois metais cruciais para o fabrico de semicondutores e chips, sendo a China o maior produtor mundial -, alegando "proteção da segurança e interesses" da RPC.

Convém ainda lembrar que as questões protecionistas se têm misturado com as relativas à segurança internacional. Em abril, os EUA alargaram a lista de empresas chinesas sancionadas pelas supostas tentativas de escapar ao controlo norte-americano das exportações para a Rússia, considerando-as uma medida ilegal que ameaça as cadeias de abastecimento globais, o que mereceu amplos protestos das autoridades chineses e escalou as tensões.

À luz deste contexto, e retomando o balanço da visita de Yellen a nível económico, torna-se, por isso, muito relevante ela ter referido que "o presidente Biden não vê a relação entre os EUA e a China na perspetiva de um grande conflito de poderes", considerando que "o mundo é suficientemente grande para os dois países prosperarem". Yellen manifestou o desejo de "uma economia global dinâmica e saudável que seja aberta, livre e justa, não uma que esteja fragmentada ou force os países a escolher lados".

Assim, quaisquer eventuais futuras restrições nos negócios com a China seriam implementadas "de uma forma transparente" e focar-se em setores nos quais os EUA têm "receios específicos ao nível da segurança nacional". Yellen manifestou-se contra as restrições recentes da RPC a matérias-primas necessárias à produção de semicondutores e chips para computadores, reiterando que os EUA iriam responder a "práticas económicas injustas" da RPC.

Quanto à resposta às alterações climáticas, o entendimento parece mais facilitado, tendo a secretária do Tesouro Yellen defendido que as autoridades chinesas poderão trabalhar em conjunto como os EUA, por exemplo, no suporte ao Green Climate Fund, que foi desenhado para ajudar as noções em desenvolvimento numa lógica de mitigação e adaptação a essas mudanças.

Em resposta, o ministro chinês das Finanças referiu que "a natureza das relações económicas, nomeadamente comerciais, entre a China e os EUA é mutuamente benéfica, com ganhos para as duas partes". Já antes, o vice-primeiro-ministro chinês, He Lifeng, havia lamentado que o incidente com os balões tivesse prejudicado as relações entre os dois países.

Depois deste enquadramento dos principais resultados da visita e antecedentes, importa reter algum desanuviamento das relações, que esperamos impeça um conflito militar entre China e EUA e possa ajudar a um futuro acordo de paz na Ucrânia, isto a nível da segurança internacional, mas também com relevante impacto económico.

Infelizmente, um regresso ao "business as usual" afigura-se bem distante, ainda que soe muito bem aos ouvidos de qualquer economista defensor do livre funcionamento dos mercados, o desejo de Yellen de "uma economia global dinâmica e saudável que seja aberta, livre e justa, não uma que esteja fragmentada ou force os países a escolher lados" e a afirmação do ministro chinês das Finanças de que "a natureza das relações económicas, nomeadamente comerciais, entre a China e os EUA é mutuamente benéfico, com ganhos para as duas partes".

Isto porque, ao mesmo tempo, Yellen reitera a política de "olho por olho, dente por dente" ("tit for tat", em inglês), numa lógica meramente mercantilista que destoa do resto do seu discurso.

Esse discurso híbrido e ambíguo (que, embora não assumidamente, é também a prática da China), mesmo que respaldado numa lógica de segurança nacional - fora da esfera de influência de Yellen, certamente uma exigência da Administração Biden na visita -, não gera grandes expectavas quanto à travagem da escalada protecionista recente, que contribui para um recuo ainda maior do processo de globalização, que está em retrocesso já há alguns anos.

Assim, em vez de culparem os bancos centrais, em particular o BCE, por estarem a dar cumprimento aos respetivos mandatos independentes - subindo as taxas de juro para travar a inflação ainda elevada -, os políticos nacionais e comentadores de serviço deveriam antes defender um entendimento alargado entre as duas principais superpotências em disputa, no sentido de promover a recuperação do processo de globalização, o que passa também por um acordo de não agressão mútua e a promoção de um acordo de paz na Ucrânia.

Não tenhamos dúvidas, uma redução das tensões protecionistas entre China e EUA, bem como dos países nas respetivas esferas de influência, com impacto positivo na globalização, poderá fazer muito mais pela redução dos níveis de inflação e das taxas de juro a médio e longo prazo do que qualquer governo individualmente ou mesmo pela atuação dos bancos centrais, após esgotados os principais efeitos dos seus instrumentos de política.