Marcus Vinicius, Jornal i online
Informações incompletas, enviesadas, ou ainda, que desconsiderem o contexto e a capacidade interpretativa dos cidadãos podem induzir a confusão
Vamos começar com um exemplo fictício, mas possível. Determinado governo local, para atender aos ditames de regras de transparência, publica no seu sítio na rede mundial de computadores a relação de medicamentos distribuídos pela central para as unidades de saúde da rede.
A publicação se restringe ao nome do medicamento, o quantitativo e a unidade destinatária. Não detalha o preço praticado, o perfil epidemiológico da unidade, sua localização, lista de serviços oferecidos, porte em termos de atendimentos e leitos. Informações essenciais para entender o contexto de cada unidade.
Cidadão que mantém uma página sobre combate à corrupção, João observou que a unidade de saúde chamada Cachoeira azul recebeu grande quantidade de um medicamento psicotrópico, que além do uso medicinal, também é usado clandestinamente por adictos.
João então denuncia essa situação para o jornal local, pintando a denúncia com cores catastróficas. No jornal, a denúncia encontra Pedro, jornalista experiente, que ao invés de concluir logo pela improbidade da situação, busca se aprofundar junto aos setores envolvidos e descobre que a unidade de saúde citada era uma unidade psiquiátrica de referência, e que desenvolve estudos com o medicamento indicado de forma associada à universidade local.
Essa possível história fictícia ilustra como o ideal da transparência, que ganhou desenvoltura nas duas últimas décadas, também foi afetado por um mundo cada vez mais conectado (e assustado) e com múltiplos produtores de conteúdo, na qual a ideia de se disponibilizar mais informações não pode ser dissociada de uma visão de como e para quem essa informação é direcionada, e ainda, que comportamentos se espera desse cidadão receptor.
No processo de comunicação, o receptor é o rei! Informações incompletas, enviesadas, ou ainda, que desconsiderem o contexto e a capacidade interpretativa dos cidadãos podem, ao final, induzir a confusão, e não a desejável participação social que informa e que pode gerar ações junto aos governos que resultem em uma maior qualidade das políticas públicas.
O receptor é essencial na discussão da transparência, em especial pelo seu aspecto interpretativo, e ainda, do que pode fazer a partir daquela informação. Mais do que a discussão da amplitude e da veracidade das informações disponibilizadas, importa pensar em como isso é feito, e o que se espera com todo esse esforço, que deve convergir com as finalidades públicas da instituição, de forma indissociável.