José António Moreira, Expresso online

Anestesiados por expressões fofas como “taxas e taxinhas”, os cidadãos e empresas vão sendo esmagados, lentamente, pelo peso de tributações encapotadas que, nalguns casos, raiam o esbulho. Nalguns casos, a expressão adequada para descrever o “monstro das taxas” português seria “taxas e taxões”

O uso de diminutivos, na linguagem escrita ou falada, tende a transmitir a sensação de algo pequeno, fofinho, terno. Porém, como é referido em literatura associada à Linguística, o efeito mitigador do sufixo “-inho(a)” não é suficiente para apagar integralmente a negatividade que esteja associada ao substantivo de base. No caso em discussão, sendo uma taxa algo de penoso, na perspetiva de quem a paga, uma taxinha nunca será algo de agradável, por muito que o diminutivo lhe associe a ideia de pequenez, de resíduo.

No contexto português, a expressão “taxas e taxinhas” é com frequência utilizada para significar a multiplicidade de encargos cobrados pelos órgãos das administrações públicas que, incrementalmente aos impostos, tornam a carga fiscal nacional uma das mais pesadas a nível global. Não se conhece quem cunhou a expressão, nem se inerente à sua primeira utilização estava uma substancial dose de ironia. O facto é que ela vingou e a ideia subliminar que transmite é de mitigação, de pequenez, de que se trata de algo que, sendo desagradável e em grande número, é de dimensão insignificante.

Puro engano, quanto à insignificância. Nalguns casos, a expressão adequada para descrever o “monstro das taxas” português seria “taxas e taxões”, que transmitiria uma ideia mais próxima da realidade e bem diferente da fofa expressão que dá título à crónica. Infelizmente, o aumentativo “taxão” (com ‘x’) não existe nos dicionários e, por isso, falta uma palavra que por si mesma transmita a ideia da existência de taxas enormes que roçam o esbulho.

Em termos jurídicos, uma taxa distingue-se de um imposto pelo caráter bilateral da primeira, opondo-se à unilateralidade do segundo. Enquanto num imposto o cidadão é obrigado a efetuar um pagamento pelo qual não recebe uma contrapartida direta, ao pagar uma taxa o cidadão, supostamente, recebe de volta um serviço que lhe é prestado por um órgão da administração pública. Ou seja, a taxa é o pagamento desse serviço. Não a pagando, não usufrui deste.

Numa visão radical, o pagamento dos impostos, que sustentam o Estado, justificaria que os serviços públicos fossem gratuitos. Porém, num contexto em que os recursos são escassos, o pagamento de taxas pode servir para moderar o consumo de tais serviços, como até recentemente acontecia com as taxas moderadoras da saúde. Aceitando esta segunda visão, mais moderada, em que a taxa não excederia o custo da prestação do serviço, há um aspeto não contemplado na lei que penaliza o cidadão-pagador: não há concorrência na prestação dos serviços públicos – nalguns casos, porque é imposta superiormente uma taxa homogénea; noutros, porque a prerrogativa da territorialidade atribuída a determinados órgãos da administração pública, como as autarquias, concorre para que a prestação do serviço seja efetuada numa posição monopolista.

Imagine o leitor que decide pedir um empréstimo bancário na CGD. O estudo (apreciação) do pedido custar-lhe-á 290 euros, próximo do montante que outras instituições financeiras cobram. Porém, se aquela instituição decidisse cobrar 2.900 euros por esse mesmo serviço, possivelmente o leitor iria procurar instituição em que esse custo fosse menor. Imagine, agora, que é uma muito pequena empresa, possui um parque de armazenamento de combustíveis gasosos destinados a comercialização e o alvará desse recinto necessita de ser renovado. Dirige-se à câmara municipal respetiva, entidade a quem compete a emissão do mesmo, onde é informado de que tem de pagar de imediato 9.247,55 euros para … apreciação do processo. Não é a taxa de emissão do alvará, apenas a da apreciação do pedido. (Não é uma taxinha, obviamente.)

Mas o leitor ainda encolhe os ombros e pensa que não podendo fugir ao eminente esbulho, tem é de relaxar e avançar. Porém, repita-se, aquela taxa é apenas para apreciar o pedido. Uma vistoria ao local por parte dos técnicos camarários, no âmbito do processo de licenciamento, implicará outra taxa de montante semelhante; uma eventual repetição da vistoria para verificação da concretização de eventuais condições impostas, implicará taxa semelhante; o averbamento do licenciamento e emissão do alvará, uma taxa ligeiramente mais baixa, de 8.836,80 euros. Por conseguinte, se tudo correr pelo melhor e só necessitar de ser objeto de duas vistorias, a obtenção do alvará custar-lhe-á cerca de 37.000 euros.

Considera isto o pagamento do serviço subjacente ao ato? Não, certamente. Então não é uma taxa no verdadeiro sentido. Também não é legalmente um imposto, pois não foi aprovado pela assembleia da República. É … qualquer coisa com um nome “feio”.

Volte-se à questão concorrencial acima referida. Por que razão não poderá aquela empresa, com domicílio no concelho de Valongo, obter essa licença junto de uma outra câmara municipal que se proponha cobrar-lhe importância inferior? Por exemplo, junto da vizinha câmara da Maia, que pelo mesmo serviço (e número de visitas) cobra 1.000 euros no total? Afinal, a emissão de um alvará e tudo o que lhe está subjacente é um ato técnico, um serviço devidamente definido em diplomas legais.

Não se compreende tal impossibilidade. Melhor, compreende-se que por mais “simplex” que sejam as medidas de modernização administrativa que o Governo da nação se proponha implementar, as fundações ancestrais, baseadas na territorialidade administrativa, em que ninguém se atreve a mexer, acabam por prevalecer sobre tudo o resto, perpetuando monopólios públicos. Monopólios que esmagam quem, como no caso referido, necessita de serviços prestados por tais entidades; que, no limite, condenam o país a um crónico crescimento económico anémico.

Anestesiados por expressões fofas como “taxas e taxinhas”, os cidadãos e empresas vão sendo esmagados, lentamente, pelo peso de tributações encapotadas que, nalguns casos, raiam o esbulho.