Jorge Fonseca de Almeida, Dinheiro Vivo
A cidade de Lisboa é hoje uma cidade em declínio, sem rumo, sem estratégia, sem futuro, flutuando ao sabor das marés turísticas. Maré vaza durante a pandemia que assustou empresários e políticos mas que perante a atual maré cheia rapidamente esqueceram o que deviam ter aprendido.
Os jovens não encontram casa compatíveis com os seus magros rendimentos, os empresários hoteleiros queixam-se das poucas restrições que ainda têm, os residentes reclamam que os turistas tudo invadem e os expulsam dos seus bairros, das suas casas. A população que trabalha em Lisboa vem de periferias cada vez mais afastadas ou vive nas novas favelas verticais, das casas sobre habitadas. Simultaneamente milhares de casas continuam devolutas. Os transportes públicos são insuficientes, os carros são em demasia. Os espaços de escritórios vazios crescem tornando-se obsoletos com o trabalho remoto e com a dificuldade de acesso dos trabalhadores. A incapacidade da Câmara em gerir a Capital é envergonha o país.
Moedas parece mais interessado em usar a Câmara como trampolim para voos mais altos do que para atuar ao nível local. O poder pelo futuro maior poder mais do que o poder para materializar uma política, uma ideia ou um plano. Por isso mais focado no acessório do que no fundamental.
Perante este abandono, face a este declínio, que futuros se abrem para a nossa Cidade, centro e motor gripado de toda uma vasta área metropolitana? Avançamos três cenários possíveis.
Cenário "Nem sim, nem sopas".
É o cenário mais provável. A continuação da atual política. Lisboa continua a despovoar-se. A empobrecer. A favelar-se. A acolher cada vez mais turistas e estrangeiros reformados ou nómadas digitais. É uma política de lucros privados, no turismo, no imobiliário caro destinado a uma classe média ou uma elite estrangeira. Mas de grandes custos sociais. O crescimento da habitação miserável dos portugueses residentes e dos imigrantes trabalhadores. A expulsão de muitos residentes para periferias distantes. A pressão cada vez maior dos transportes individuais e o declínio dos transportes públicos. Uma cidade em que não vale a pena viver.
É a tentativa infrutífera de conciliar o turismo de grandes massas com a habitação de uma massa menor sempre acossada, desapossada e sob stress permanente. É procurar misturar água com azeite. Pura e simplesmente não funciona.
Cenário "Veneza-Brasília"
É o cenário mais favorável. O que melhor pode conciliar as vantagens do turismo com as necessidades da população.
Passa por afetar parte ou a totalidade da cidade ao turismo, investindo em mais alojamento local, mais hotéis, mais museus, mais atrações e divertimentos. Como o faz Veneza, cidade abandonada pelos seus anteriores habitantes e hoje completamente tomada pela indústria do turismo.
Mas em simultâneo transferir para outro local os atuais habitantes. Com a sua anuência. Com o seu contributo. Com a escolha de futuros locais, bairros e casas. Sem o atual desrespeito pelas pessoas. Sem a atual expulsão sem alternativa compatível. Como em Veneza a função residência foi transferida para a vizinha cidade de Mestre.
Por último transferindo a função de Capital política do país para outro local. Como o Brasil fez, criando Brasília de raiz. Deslocalizando os Ministérios pelas capitais de distrito. Teríamos assim uma capital mais pequena, mais funcional, mais amiga do ambiente e mais sustentável.
É um cenário que exige decisões corajosas, só possível com um forte investimento estatal, mas capaz de galvanizar a indústria nacional e de entusiasmar as populações se forem envolvidas.
Cenário "Cidade Residencial"
É a solução que muitos reclamam. Limitar o turismo. Circunscrevê-lo a uma área limitada. Procurar retomar o sonho utópico de uma cidade puramente residencial. É procurar parar o vento com as mãos.
Quando da mecanização da manufatura alguns artesãos opunham-se destruindo as máquinas. O sucesso de tal movimento foi nulo. Nada consegue opor-se ao progresso. Podemos moldá-lo. Podemos regula-lo. Mas não podemos, nem devemos impedi-lo.
Este é o pior cenário. O cenário do velho do Restelo, clamando pelo retorno ao passado, glorificando uma época que tendo sido boa para uns, foi péssima para a maioria.
Recordemos aqui que as casas de Lisboa, são, na generalidade, velhas, não são insonorizadas, não são aquecidas, não têm as instalações sanitárias adequadas, nem os elevadores de que necessitam, e muito menos as comodidades modernas necessárias. Viver em Lisboa é árduo para muitos. Não é um paraíso que estejamos prestes a abandonar ou dele ser expulsos. Com alternativas adequados muitos mudariam de bom grado. Obviamente, sem alternativa, ninguém quer perder a sua habitação.
Terão os nossos políticos a coragem de pensar um futuro. Apresentá-lo para discussão, alterá-lo com as boas sugestões, alocar os fundos necessários e lançar mãos à obra? Ou preferirão continuar a tradição de usar Câmara de Lisboa como simples antecâmara, apeadeiro obrigatório, da ascensão a outros cargos políticos de âmbito nacional?