Miguel Viegas, Jornal i online

Apesar de todas as medidas anunciadas sobre regulação, já foram gastas somas colossais de fundos públicos para salvar bancos que, supostamente, estavam bem capitalizados e supervisionados

O ano 2023 começou com mais uma crise financeira, rotulada já como a maior crise bancária desde 2008. Depois da falência do Silvergate Bank (instituição de pequena dimensão, mas que terá lançado o alerta), dois importantes bancos norte-americanos, o Silicon Valley Bank (SVB) e o Signature Bank entraram em colapso. Dias mais tarde, o Crédit Suisse era resgatado por outro banco, com o aval do governo. Na semana passada, foi a vez do First Republic Bank entrar em falência, mais um banco norte americano, o terceiro este ano.

Ninguém pode prever se a turbulência se ficará por aqui ou se mais episódios estão na calha. O que sabemos é que, apesar de todas as medidas anunciadas sobre regulação, já foram gastas mais uma vez, somas colossais de fundos públicos para salvar bancos que, supostamente, estavam bem capitalizados e supervisionados.

Para dar uma perspetiva quantitativa ao leitor sobre a dimensão dos acontecimentos, esses três bancos norte americanos detinham ativos totalizando 532 mil milhões de dólares. Esta quantia ultrapassa a totalidade dos ativos detidos pelos 25 maiores bancos que faliram na sequência da crise de 2008 (que representam um valor total atualizado de 526 mil milhões de dólares). É sintomático que a falência tenha ocorrido no SVB, um banco de referência da indústria de tecnologia (e principalmente das startups). Um banco dito sólido, mas que foi aniquilado em poucas horas depois de uma corrida aos depósitos assim que foram anunciadas as primeiras perdas. Os pedidos de levantamento totalizaram só no dia 9 de março a soma de 42 mil milhões de dólares. Esta foi a segunda maior falência de bancos na história dos EUA (desde o Washington Mutual em 2008). Pouco tempo depois, a 12 de março de 2023, o Signature Bank (líder em empréstimos em criptomoedas) seguiu o mesmo caminho, colapsando na sequência de mais uma corrida aos depósitos que acabaria por provocar a terceira maior falência bancária da história dos EUA. O Credit Suisse faliu uns dias mais tarde, a 19 de março, quando foi comprado a preço de saldo pelo UBS, outro banco suíço, sob os auspícios do governo que fez questão de abençoar a transação com uma almofada financeira de 108 mil milhões de dólares.

As culpas desta crise são atribuídas a fatores certamente relevantes, mas não suficientes para tranquilizar a opinião pública. Primeiro foi a pandemia. Depois a guerra na Ucrânia que afetou as cadeias de abastecimento mundial, provocando escassez de matérias-primas e componentes essenciais, acabando por gerar taxas de inflação às quais já não estávamos habituados. E finalmente, como elemento catalisador, vieram as subidas das taxas de juro, postas em prática pelos bancos centrais precisamente para combater a inflação. Estas narrativas assentam em factos que não podem ser omitidos. Contudo, não explicam a vulnerabilidade das instituições que não resistiram aos primeiros pingos de chuva. Alem disso, acabam por lançar uma cortina de fumo que impede qualquer reflecção séria sobre esta crise bancária. Até porque esta reflecção iria expor todo o discurso pós-2008 que sustentou os acordos de Basileia III e a criação da União Bancária, e a garantia de que nunca mais os fundos públicos iriam cobrir os prejuízos dos bancos. Na realidade, estes episódios recentes mostram exatamente o contrário. A cada crise financeira aumenta a concentração do setor reforçando as chamadas empresas “to big to fail” (demasiado grandes para falir). Com esta concentração cresce a completa subordinação de quem supervisiona face ao supervisionado. Note-se que coube ao gigante JPMorgan, ficar com os despojos do First Republic Bank. Os níveis de alavancagem continuam altíssimos e envoltos em mistério com os novos rácios de capitais prudenciais construídos a partir de algoritmos pouco transparentes e pouco recomendáveis (rácios Tier e outros). À falta de capital, criaram-se títulos obrigacionistas híbridos, também chamados de contingentes, que podem ser uma coisa ou outro conforme as necessidades.

Esta crise confirma, por outro lado, a forma diligente com que os governos imediatamente acorrem quando se trata de socializar as perdas do grande capital financeiro. Nos Estados Unidos, existe um sistema que garante os depósitos até 250 mil dólares. Num comunicado da secretária do Tesouro, Janet Yellen, em conjunto com a Reserva Federal (Fed) e a Deposit Guarantee Agency (FDIC), após consulta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi anunciado que todos os depósitos do SVB (nomeadamente aqueles que excedessem os 250 mil dólares) seriam garantidos pelo estado federal, numa operação que viria a ser estimada em 170 mil milhões de dólares. Regressando à Europa, o Crédit Suisse, já tinha beneficiado, uns dias antes de falir, de um empréstimo público de 54 mil milhões de dólares. Na compra do banco pelo UBS, o governo helvético alavancou o negócio com um aval de 108 mil milhões de dólares. É bom lembra que o banco UBS, conhecido como o maior gestor de fortunas do mundo, teria falido na sequência da crise de 2008, não fosse a pronta intervenção na altura do governo e do Banco Central Suíço.

A história demonstra que os bancos privados abandonados à voragem do mercado, tendem a adotar comportamentos de risco, sobretudo quanto sentem, da parte do estado uma garantia pública implícita. Estes, mais cedo ou mais tarde, tornam-se fonte de problemas e de instabilidade. A questão da supervisão pública dos bancos continua por isso de grande atualidade, incluindo a própria presença do estado na área financeira, tema tabu do presente, mas que certamente verá chegar a sua hora. Até lá, importa evitar a excessiva concentração dos bancos e separar as atividades de crédito e de investimento.