Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
A Comissão Europeia divulgou esta semana as previsões económicas de primavera.
Os resultados de 2023 são bons para Portugal, face à forte revisão em alta da evolução do PIB, mas o mau desempenho relativo regressa em 2024 para nos lembrar que a "alguma boa economia" de que tem falado o Presidente da República é de curta duração e em breve voltaremos à dura realidade do nosso empobrecimento face aos países de União Europeia (UE) com que nos comparamos, retomando a triste trajetória de descida rumo à "cauda da Europa".
Comecemos pelo aparente "milagre económico" luso de 2022 e 2023.
Após um crescimento real do PIB de 6,7% em 2022, o terceiro mais alto da UE - a refletir efeitos temporários como a continuação de consumo adiado na pandemia e o afluxo de turistas face à imagem de destino seguro, longe da guerra, como aludido em crónicas anteriores -, a Comissão prevê agora uma subida de 2,4% em 2023, o quinto valor mais elevado entre os Estados-membros, mais do dobro da previsão intercalar divulgada em fevereiro (1,0%) e do número revisto para a média da UE (também 1,0%), ainda que se trate de um abrandamento bastante significativo da economia nacional após um 2022 atípico.
A forte revisão em alta para 2023 reflete os dados do PIB muito acima do previsto no 1º trimestre (variação real de 1,6% em cadeia e 2,5% em termos homólogos). Tal como o FMI - que espera um crescimento de 2,6% em 2023, ainda mais acima da previsão de 1,8% do Governo -, a Comissão foi surpreendida pelo forte dinamismo da economia no início do ano, que atribui ao "aumento muito forte das visitas de turismo, em particular da América do Norte", até porque a "procura doméstica permaneceu fraca", com o consumo privado retraído pela perda acumulada de poder de compra (a inflação apenas se reduz para valores mais normais em 2024, passando de 5,1% para 2,7%) e pelas taxas de juro mais altas, que também penalizaram o investimento.
O problema é que o mau desempenho relativo regressa em 2024, pois o crescimento de 1,8% projetado para a economia nacional, inalterado face a fevereiro, é o décimo mais baixo da UE.
Isto porque a retoma do consumo privado (de uma variação real de 0,5% em 2023 para 1,5% em 2024) e da dinâmica do investimento (de 2,9% para 3,6%) - começando de forma gradual no segundo semestre, segundo a Comissão, o que é uma boa notícia para famílias e empresas - levará a um aumento das importações associadas, refletindo o problema estrutural de insuficiência de oferta nacional para responder de forma competitiva a essa procura interna (problema evidenciado pela balança de bens estruturalmente deficitária). Com as importações a acelerar (de 3,3% para 3,6%) e as exportações a abrandar (de 5,4% para 3,2%), o contributo das exportações líquidas para o PIB passará a negativo em 2024 (-0,2 pontos percentuais, após +1,0 p.p. em 2023), explicando a perda de dinamismo económico.
Considerando períodos mais alargados, para esbater os efeitos da conjuntura e das crises, as novas projeções mostram uma subida média anual do PIB de apenas 1,5% entre 2019 a 2024, em termos reais, a 11ª mais baixa entre os países da UE, onde o valor médio é ainda menor (1,1%) dado o fraco dinamismo das maiores economias, como Alemanha (0,4%) e França (0,6%).
Isto após variações médias anuais reais do PIB nacional de 0,8% na década de 2010 e de 0,9% na década de 2000, traduzindo a terceira pior posição a nível europeu em ambas as décadas.
Dado o baixo desempenho passado e próximo de geração de riqueza (variação do PIB) face aos outros estados-membros, é natural que o nosso nível de vida (aferido pelo PIB per capita em paridade de poderes de compra, PPC) acompanhe essa comparação desfavorável.
À luz dos novos dados, depois da 21ª posição em nível de vida registada por Portugal em 2021 (75,0% da média da UE) - ou seja, a sétima pior -, a forte dinâmica relativa do PIB nacional em 2022 e 2023 permite a retoma da 19ª posição em nível de vida nesses dois anos (para 78,0% e 78,6% da média da UE, respetivamente), superando a Hungria e a Polónia, que nos haviam ultrapassado precisamente em 2021. Contudo, em 2024 Portugal baixa para a 20ª posição (78,8% da UE), sendo superado pela Roménia (79,0%) e tendo a Hungria já próxima (78,5%) - de notar que, nesse ano, o valor de 78,8% face à média da UE compara ainda com os 78,6% em 2019, antes da pandemia e da guerra, traduzindo apenas uma pequena convergência real.
Nos indicadores de produtividade (também em PPC), o ranking será ainda pior em 2024, com a 23ª posição no PIB por empregado (75,4% da média da UE, abaixo do valor de 76,4% em 2019) e a 24ª no PIB por hora trabalhada (66,8% da UE), a pior já registada. Estes maus posicionamentos tenderão a refletir-se, a prazo, em novas descidas no ranking do nível de vida.
Ou seja, passados os principais efeitos das duas crises recentes (pandemia e guerra) - que nos penalizaram em termos relativos em 2020-21 e nos beneficiam em 2022-23 -, Portugal ver-se-á confrontado com os problemas estruturais impeditivos de um crescimento sustentado do PIB, mais próximo do observado nos países mais dinâmicos da UE, que nos têm ultrapassado em nível de vida neste milénio - convém não esquecer que, no ano 2000, Portugal registava a 15ª posição neste indicador (85,3% da média da UE), como evidenciado no gráfico.
Acresce que as previsões da Comissão assumem a continuação da guerra, que tem penalizado em particular os países do leste da Europa (incluindo aqueles com nível de vida abaixo ou pouco acima de Portugal), precisamente dos mais dinâmicos da UE até então (além do case study que é a Irlanda, um claro outlier em termos de crescimento do PIB na União).
Quando a guerra terminar, o que se deseja aconteça o mais rápido possível, é expectável que esses países retomem, pelo menos em parte, algum do dinamismo perdido, o que colocará Portugal novamente em rota acelerada rumo à cauda da Europa caso não adote, entretanto, reformas estruturais impulsionadoras, a prazo, do seu crescimento económico potencial.
Não é crível que a execução dos fundos europeus (resto do Portugal 2020, PRR e Portugal 2030) traga grandes novidades na dinâmica de crescimento relativa, infelizmente, atendendo ao nosso passado de pouco aproveitamento dos fundos por comparação com os países de leste, que entraram mais tarde, receberam menos fundos e têm mostrado muito melhor desempenho.
Também não se espera que sejam os "ventos" do turismo, que nos bafejaram em 2022 e no início de 2023, a empurrar sustentadamente a "nau" que tem sido a economia Portuguesa, até porque, como mostra o passado, o vento pode rapidamente deixar de estar de feição (é o que se espera já em 2024). Para que deixemos de "navegar à vista", são precisos vários "motores" principais que tornem o barco mais manobrável e moderno, desejavelmente "motores limpos e bem engrenados", assentes nas transições digital e climática, e propulsionados pela inovação, sob o comando de "timoneiros" (líderes) mais qualificados, capazes de nos levar a "bom porto".