António João Maia, Expresso online

Estamos perante uma proposta que, de modo inovador, abre a porta à possibilidade de o controlo da corrupção passar a ser realizado a um nível global

Na passada semana, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentou ao Parlamento e ao Conselho Europeu uma proposta de revisão tendo em vista a atualização e reforço das medidas já em vigor relativamente à luta contra a corrupção no espaço da União e dos diversos Estados-membros, designadamente da Decisão-quadro 2003/568 e da Diretiva 2017/1371.

Pela sua natureza, já o sabemos, a problemática da corrupção requer uma permanente vigilância e adoção de cuidados de controlo de âmbitos repressivo e preventivo. Por certo que o conjunto de medidas agora apresentado se enquadra neste âmbito. Contudo, ainda assim, não pode deixar de se perceber que ele surge também na sequência do escândalo de corrupção que se verificou no final do ano passado, e que envolveu e levou à detenção da Vice-presidente do Parlamento Europeu, a eurodeputada Eva Kaili. O caso foi, se dúvidas existissem, uma evidência clara e muito forte de que a fraude e a corrupção podem estar em qualquer organização e a qualquer nível hierárquico.

Mas, regressando ao documento, importa deixar nota das principais linhas de alerta e cuidado que ele vem propor, que se desenvolvem essencialmente em torno das componentes da formação da sociedade civil, e de controlo preventivo e repressivo, tudo no enquadramento dos instrumentos da denominada Política Externa e da Segurança Comum (PESC).

Assim e quanto à componente da formação da sociedade civil, são propostas medidas que compreendem o reforço da cooperação das redes institucionais de controlo da corrupção já existentes e das que venham a ser criadas, incluindo as autoridades judiciárias e policiais, as magistraturas, bem como as próprias organizações da sociedade civil.

Estas redes de cooperação devem contribuir igualmente para a identificação de áreas e fatores de risco comuns aos diversos Estados-membros, e, correlativamente, para a partilha de boas práticas nos correspondentes controlos preventivo e repressivo, na procura do reforço e consolidação da denominada “política de tolerância zero à corrupção”.

Quanto à componente mais específica das medidas de controlo preventivo e repressivo, são propostas medidas de reforço de culturas de integridade, nas organizações e na sociedade civil no seu todo, através da componente da formação e sensibilização dos funcionários e dos cidadãos em geral para a integridade e para os deveres de responsabilidades de todos neste âmbito.

O documento propõe igualmente que as estruturas da União e dos Estados-membros reforcem a criação de entidades especializadas na prevenção, controlo e repressão da corrupção, devidamente apetrechadas com meios técnicos adequados e recursos humanos capacitados e motivados.

Importa ainda destacar um conjunto de propostas mais específicas de âmbito penal, que incluem a criação de um quadro legal punitivo, para a corrupção e criminalidade conexa, que seja comum a todo o espaço da União e aos diversos Estados-membros, no sentido de harmonizar as tipologias legais de crime e as correspondentes molduras penais, as quais, no geral, também se propõe que sejam aumentadas.

Propõe-se ainda o reforço do quadro de medidas de investigação criminal, como seja: uma maior capacitação de meios e de formação específica para magistrados e entidades policiais; o ajustamento das regras relativas aos prazos de prescrição, de modo a garantir que haja tempo para a realização adequada de todas as fases processuais relativamente a estes crimes; e a revisão das medidas relativas a imunidades, de modo a incrementar a transparência na realização das diversas fases procedimentais.

O conjunto de medidas e cuidados que são agora propostos assumem-se igualmente como um contributo para o reforço e alargamento do quadro legal e dos instrumentos sancionatórios já existentes no contexto da Política Externa e de Segurança Comum (PESC), nomeadamente quando à segurança internacional, à consolidação da democracia e dos direitos humanos, pelo que se propõe que a União Europeia possa perseguir e sancionar os graves atos de corrupção que ocorram no mundo.

Trata-se de um documento que ainda carece de análise mais profunda e debate, mas que, no essencial, propõe um conjunto de medidas de reforço da atenção, cuidado e controlo sobre a corrupção e que, de modo inovador, abre a porta à possibilidade de o controlo da corrupção passar a ser realizado a um nível global – “para grandes males, grandes remédios”.

Claro que esta proposta do controlo global da corrupção vai suscitar por certo muita reflexão e debate publico – vai fazer correr muita tinta. Mas não deixa de ser um modo, no mínimo interessante, de procurar soluções para o controlo do problema com outro envolvimento, com outro potencial de eficácia, com outros alcances e, porventura, com outros resultados mais positivos, nomeadamente se olharmos aos fatores de desenvolvimento humano que se reconhecem estar muito correlacionados com a corrupção.