Mário Tavares da Silva, Jornal i online
Deve existir nas organizações, em permanência, uma verdadeira cultura de mudança, em que os auditores possam assumir a pilotagem de processos transformacionais internos, reorientando, nessa medida, o foco da auditoria, para aquelas que são as prioridades e linhas estratégicas de atuação da empresa
Assiste-se, nos dias de hoje, a um interessante fenómeno no setor da auditoria interna, sobretudo porque, como pertinentemente se refere no relatório Focus on the Future 2023, da autoria de Richard Chambers, os desafios que se antecipam no horizonte serão bem mais significativos para os auditores do que muito provavelmente eles estão à espera.
Nessa medida, não constitui surpresa que o referido relatório refira, por exemplo, que em áreas-chave concretamente identificadas, sejam já visíveis relevantes e preocupantes lacunas entre os níveis de risco (e acrescentamos nós, também, os novos riscos) e a intensidade de planeamento e de trabalho que a governação afeta à função de auditoria interna com vista à mitigação dos mesmos.
Entre os principais problemas que estarão na base dessa situação, temos a incapacidade em atrair e reter os melhores talentos, a emergência dos impactos decorrentes dos fatores macroeconómicos, a incerteza geopolítica e, bem assim, as perturbações que o próprio modelo de negócio tem vindo a enfrentar e que no futuro continuará a enfrentar, sobretudo por força da emergência de novos riscos e pelo refinamento e aumento de complexidade dos já existentes.
Recorde-se, por exemplo, que no universo das grandes organizações, apenas 13-20% têm planos significativos para dedicar recursos substanciais a estas questões, o que naturalmente nos deve deixar em estado de alerta, atentas as repercussões que isso possa impactar no regular exercício da função de auditoria.
Neste contexto, resulta de forma muito clara a existência da necessidade de um esforço acrescido por parte das organizações, por forma a criar adequadas a atrativas condições de captação e, em especial, de retenção de talento.
Por outro lado, as equipas de auditoria deverão ser capazes de se reinventar, endereçando garantias adequadas quanto ao exercício das suas responsabilidades e, simultaneamente, respondendo ao surgimento de novos riscos, às perturbações e disrupções tecnológicas e, bem assim, às sucessivas e sempre mais exigentes pautas regulamentares, profissionais e deontológicas a que tem de se submeter.
Neste ecossistema de reinvenção, poderá cobrar interesse e maior relevância, a elaboração dos próprios planos de auditoria suportados em risco concretamente identificado com recurso aos metadados, desse modo habilitando o auditor e as equipas de auditoria a desenvolver o seu trabalho no quadro de uma maior eficiência e eficácia.
A escassez de pessoal, a mudança de atitudes em relação ao trabalho e algumas debilidades na formação e competências pré-existentes dos auditores estão a aumentar, constituindo este facto, por si só, também, um enorme fator de preocupação para as organizações.
É igualmente crítica a perda de talento e uma evidente incapacidade de prover a sua imediata substituição. O talento escasseia e a aposta em gerações mais jovens de auditores internos traz consigo elevados custos de formação, ao mesmo tempo que faz impender maior intensidade de trabalho sobre os restantes membros da equipa de auditoria, o que também constitui, permitam-me, um elemento a ponderar, pois a sua motivação tenderá, nesse contexto de maior esforço, a variar na direta proporção dos novos desafios que a entidade seja capaz de lhe proporcionar noutras áreas de interesse da empresa e que possam ser suscetíveis de constituir para ele um fator motivacional adicional na sua continuidade.
Exige-se então um planeamento e gestão profissionais, recorrendo, por exemplo, a soluções tecnológicas que permitam uma gestão de recursos mais estratégica, capaz de potenciar o que de melhor as equipas tem, coletiva e individualmente e, por essa, via, incrementando os níveis motivacionais dos auditores e a eficiência na própria condução dos processos.
Por fim, e não menos importante, deve existir nas organizações, em permanência, uma verdadeira cultura de mudança, em que os auditores possam assumir a pilotagem de processos transformacionais internos, reorientando, nessa medida, o foco da auditoria, para aquelas que são as prioridades e linhas estratégicas de atuação da empresa.
A auditoria interna deve procurar entender e acarinhar sempre as necessidades e os desafios das partes interessadas, funcionando como uma espécie de alavanca de mudança e de modernização das organizações.
Mais do que auditar, o auditor interno constitui sempre o alfa e o ómega das organizações, impulsionando em permanência, de forma discreta e silenciosa, sobretudo pelas suas iniciativas e resultados dos seus trabalhos, a vida da empresa e de todos os que com ela se relacionam.