António Dias, OBEGEF
Nada é perfeito, e mesmo a palavra “cravo” pode ter múltiplos sentidos. Cravo é também a designação de um instrumento musical, dos pregos com que se prendiam os sentenciados na cruz e de “verrugas” comuns.
É caso para dizer… “não há bela… sem senão”. E nesta crónica, ainda que prefira flores e música, a Alice vai revisitar um dos pregos que atormenta a Democracia como verruga que teima em não desaparecer – a Corrupção.
Quis o destino que esta crónica tivesse como data o dia da celebração do 25 de Abril de 1974, dia que marca o início da vida democrática em Portugal na sequência de uma revolução militar pacífica, quase poética, conhecida pela Revolução dos Cravos.
A um ano de completar o seu 50.º aniversário, ainda que num contexto económico e social difícil e de elevada incerteza, assiste-se a um corrupio de iniciativas e celebra-se com “pompa e circunstância” a tão desejada liberdade.
- E há razões para festejar? – questiona a Alice.
Certamente que sim, Alice. A Liberdade e o Estado Democrático são uma realidade vivenciada que todos reconhecem e enaltecem. É a Liberdade que permite que se possa dizer o que se pensa sem receios. É a Liberdade que permite ao povo escolher democraticamente os seus representantes.
Mas nada é perfeito, e mesmo a palavra “cravo” (que neste contexto se refere às flores que no entusiasmo da revolução uma florista ofereceu aos militares) pode ter múltiplos sentidos. Cravo é também a designação de um instrumento musical, dos pregos com que se prendiam os sentenciados na cruz e de “verrugas” comuns.
É caso para dizer… “não há bela… sem senão”. E nesta crónica, ainda que prefira flores e música, a Alice vai revisitar um dos pregos que atormenta a Democracia como verruga que teima em não desaparecer – a Corrupção.
Comecemos pelo Índice de Perceção da Corrupção de 2022, relatório publicado anualmente pela Transparency International, que avalia o fenómeno da corrupção no setor público, ou seja, a corrupção administrativa e política. Neste relatório volta-se a constatar que Portugal não regista evoluções significativas desde 2012, voltando a obter 62 pontos (em 100), resultado inferior à média da União Europeia (64 pontos) ocupando a 34.ª classificação entre 180 países. Este ano, a Transparency International destaca a Estratégia Nacional Anticorrupção, que considera ter sido lançada sem diretrizes ou plano de monitorização, sendo fraca a sua aplicação e lenta a implementação das medidas dirigidas à prevenção da corrupção no setor público, pelo que concluímos que esta verruga está para ficar.
- Pois, parece que sim. E como sentem os Portugueses a Corrupção? – questiona a Alice.
De acordo com o Eurobarómetro Especial 523 – Corrupção coordenado pela Comissão Europeia, 76% dos 1006 portugueses entrevistados (março e abril de 2022) consideram que a Corrupção é inaceitável (2.º lugar, média UE 63%) sendo que 90% admite tratar-se de um problema comum em Portugal (5.º lugar, média UE 68%) que na opinião de 51% dos inquiridos tem vindo a aumentar nos últimos três anos (6.º lugar, média UE 41%), admitindo 34% que o nível de corrupção se manteve inalterado (UE 43%). Por outro lado, 44% julgam ser pessoalmente afetados pela corrupção na sua vida diária (6.º lugar, média UE 24%),
Na opinião de 86% dos entrevistados existe corrupção nas instituições públicas nacionais (5.º lugar, média UE 74) e 85% admitem que existe corrupção nas instituições públicas de caráter local ou regional (5.º lugar, média UE 72%), sendo que que 81% admite que o suborno e o uso de conexões costumam ser a maneira mais fácil de obter serviços públicos (4.º lugar, média UE 68%). Quanto às instituições em que a possibilidade de suborno e o abuso do poder em benefício pessoal é mais frequente, os entrevistados destacaram (por ordem descendente):
- 66% Partidos políticos (UE 58%).
- 63% Políticos a nível nacional, regional ou local (UE 55%).
- 61% Bancos e instituições financeiras (UE 27%).
- 48% Funcionários que adjudicam concursos públicos (UE 45%).
- 47% Funcionários que emitem licenças de construção (UE 45%).
- 43% Inspetores (UE 33%).
- 41% Empresas privadas (UE 37%).
- 41% Polícia e serviços alfandegários (UE 28%);
- 40% Tribunais (UE 21%);
- 39% Administração fiscal (média UE 22%);
- 38% Funcionários que emitem licenças para exercício de atividade (UE 33%);
- 33% Segurança social e serviços de assistência social (UE 17%);
- 30% Ministério público (UE 17%);
- 30% Sistema de saúde (UE 29%);
- 26% Sector da educação (UE 14%);
- É curioso, ainda que seja um problema transversal, as percentagens mais elevadas estão associadas ao poder político e financeiro – comenta a Alice.
Sim de facto, e nesse sentido é ainda de destacar que 76% dos inquiridos acha que a Corrupção faz parte da cultura empresarial no nosso país (UE 61%) e que 80% considera que existem relações muito estreitas entre as empresas e a política favorecem a corrupção (UE 77%). E ainda que 82% admitam que o favoritismo e a corrupção dificultam a concorrência empresarial (UE 65%), 63% julga que em Portugal a existência de conexões políticas é determinante para o sucesso empresarial (UE 53%).
Quanto ao combate à Corrupção, 76% dos entrevistados responderam que os casos de corrupção de alto nível não são suficientemente investigados em Portugal (UE 69%) e apenas 32% admitem que existem processos bem-sucedidos para determinar pessoas de práticas corruptas (UE 34%). Ainda a referir que apenas 26% consideram eficazes os esforços do governo para combater a corrupção (UE 31%) e só 37% consideram que as medidas contra a corrupção são aplicadas de forma imparcial e sem segundas intenções (UE 37%).
- Dá que pensar… diz a Alice. Na maioria dos parâmetros, os resultados em Portugal são piores que a média da UE e parece que as medidas de combate à Corrupção não são adequadas ou não são implementadas de forma eficaz.
Concordo Alice, mas vejamos agora o último Relatório Anual de Segurança Interna onde se verifica que a corrupção continua a atingir significativamente Portugal. Em 2022, foram iniciados 806 inquéritos por corrupção e concluídos 762, dos quais, apenas 30 deram origem a acusação.
- Também dá que pensar… repete a Alice. E a corrupção tem influência na Democracia?
Sim Alice, é a Democracia que está em causa quando se permite e acolhe a Corrupção. A Corrupção gera desigualdades sociais, provoca insatisfação e desconfiança nas instituições públicas, contribui para a instabilidade política, promove o radicalismo e o populismo e favorece o crime organizado.
Em paralelo, gera incerteza, prejudica a eficiência e produtividade da administração pública, diminui as receitas tributárias, a atração do investimento privado e consequentemente a competitividade do país, aumentando os seus custos operacionais.
Em conclusão, a Corrupção constitui uma séria ameaça ao Estado de direito, à democracia e aos direitos fundamentais… sobretudo quando envolve altos representantes institucionais, políticos e empresariais, o que tem sido frequente em Portugal.
- E o que fazer?... pergunta Alice.
Respondo com as palavras de Delia Ferreira Rubio, Presidente da Transparency International:
“A corrupção tornou o nosso mundo num lugar mais perigoso. Como os governos falharam coletivamente em fazer progressos neste âmbito, acabaram por alimentar o atual aumento da violência e do conflito – colocando os cidadãos em perigo. A única saída é os Estados produzirem trabalho árduo, erradicando a corrupção a todos os níveis, garantindo que os governos trabalham para todas as pessoas, e não apenas para uma pequena elite”.
E será que vai ser assim? - questiona a Alice.
Só o tempo o dirá, querida Alice. Mas o que temos visto não augura nada de bom. Talvez um dia haja uma revolução de rosas… aliás, rosas não que têm espinhos… talvez orquídeas seja melhor!