António João Maia, Expresso online
Há poucas semanas tive o gosto de participar numa conferência em que se refletia sobre o problema da fraude e da corrupção em contexto organizacional, sobretudo na componente das medidas e cuidados de controlo e prevenção de riscos.
A questão que em concreto fora proposta aos conferencistas para abordarmos com a audiência era mais ou menos a seguinte: “Pode a cultura de uma organização ser um fator preventivo da fraude e da corrupção?“
E, logo que me foi colocada – admito que a reação dos demais conferencistas tenha sido exatamente a mesma –, respondi para mim próprio: “Claro que pode. Pode e deve!“ Afinal de contas, a cultura organizacional é uma circunstância muito relevante para a prevenção da fraude e da corrupção dentro de qualquer organização.
Se as organizações são constituídas por pessoas, e se a ética e a integridade decorrem das relações entre as pessoas, então são as pessoas que dão forma e fazem acontecer as organizações e, por isso mesmo, que têm o dever e a responsabilidade de garantir a integridade no modo como se relacionam, o que significa que são elas o garante da integridade na organização.
Sucede, porém, como bem sabemos e temos mostrado em diversas reflexões anteriores, que a realidade não é perfeita, e, no caso das organizações, podem existir sempre algumas pessoas que tenham alguma dificuldade em afastar-se de situações efetivas de conflitos de interesses com que se confrontem no exercício das suas funções. Os conflitos de interesses podem acontecer em qualquer organização, em qualquer tempo e em qualquer nível hierárquico. Por isso, os riscos de ausência de integridade são uma realidade que está sempre sobre a mesa em qualquer organização.
As pessoas é que fazem as organizações, para o melhor, para o menos bom, e também para o pior.
Por isso a promoção da cultura de integridade não pode ficar exclusivamente dependente da responsabilidade das pessoas. Ela deve incluir naturalmente esse dever de responsabilidade e de integridade, esse consciência, mas deve reforçar-se com instrumentos adequados a esse propósito, como sejam aqueles que agora nos são impostos pelos Regime Geral de Prevenção da Corrupção e Regime Geral de Proteção do Denunciante.
Mas sabemos também, por outro lado, que a mera existência de tais instrumentos pode não significar muito quanto à efetividade dos propósitos que devem estar-lhe associados. Por outras palavras, eles podem existir, estando inclusivamente disponíveis e acessíveis nos sítios da internet das organizações a que respeitam, como a lei requer, mas não serem do conhecimento da generalidade das pessoas que integram a organização. E quando assim é, a falha na maior parte das vezes não é das pessoas, mas de um certo descuido metodológico no processo de elaboração, dinamização e divulgação dos seus conteúdos, desde logo no não envolvimento das pessoas em todos esses momentos. E, quando assim é, os instrumentos provavelmente são ineficazes desde logo uma vez que as medidas de controlo neles previstas não são conhecidas nem operacionalizadas devidamente.
A cultura de integridade e a prevenção de riscos de fraude e corrupção numa organização faz-se e reforça-se numa espécie de simbiose entre as dinâmicas relacionais estabelecidas pelas pessoas da organização – a componente mais informal –, e o cumprimento efetivo das medidas de prevenção e controlo previstas nos instrumentos com esses propósitos, como sejam o código de conduta, os manuais de boas práticas, o plano de prevenção de riscos e o canal de denúncias – a componente mais formal.
Da componente mais informal, a das dinâmicas relacionais, cabe destacar, enquanto elementos relevantes para reforçar a cultura de integridade numa organização e alinhar e envolver as pessoas em torno dos valores organizacionais, os seguintes fatores:
- Exemplos fortes de integridade e coerência por parte dos dirigentes de topo e também dos dirigentes intermédios, como forma de reforçar as condutas adequadas ao exercício de funções na organização – o bom exemplo que vem da componente hierárquica.
- Edificar e reforçar uma cultura de liderança mais virada para um discurso e sobretudo uma certa ideia de um “nós”, o “nosso grupo”, a “nossa organização”, como forma de reforçar o comprometimento das pessoas umas com as outras e com a organização e os seus valores éticos. Neste particular assiste-se ainda muitas vezes a um discurso precisamente em sentido contrário – eu e a minha equipa, eu e os meus colaboradores, etc.
- Dinamizar e reforçar programas formativos com momentos de reflexão sobre dilemas éticos, reais ou hipotéticos, como forma de reforçar e partilhar a tipologia de condutas ou opções mais adequadas no quadro do cumprimento dos valores éticos da organização.
- Enaltecer as boas práticas dos trabalhadores, por vezes com um simples obrigado de reconhecimento pelo trabalho realizado, como forma de reforçar o sentimento de pertença à organização e alinhamento com os seus valores.
- Sancionamento efetivo de ocorrências de irregularidades detetadas e comprovadas, na medida em que a punição é reconhecidamente uma forma dissuasora e preventiva relativamente a futuras ações de natureza semelhante.
As organizações, sobretudo os seus gestores, devem perceber a importância de fatores como os que se indicaram e sobretudo serem capazes de os dinamizar adequadamente. envolvendo todas as pessoas na procura de uma cultura organizacional mais forte, mais coesa, mais propicia ao reforço da integridade.
Basta querer e, sobretudo, fazer diferente, rumando assim à (utópica) felicidade.