Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
A comunicação social tem dado nota, de forma mais ou menos recorrente, das tendências demográficas negativas em Portugal. Os dados mais recentes têm aspetos negativos, mas também positivos, que importa analisar e refletir, para extrair conclusões úteis.
Entre os dois últimos censos (o de 2021 e o de 2011), a população portuguesa encolheu 2,1%, com a subida de 21% na faixa de 65 e mais anos a não compensar a queda nos demais grupos etários, que foi de -15% dos 0 aos 14 anos, -5% dos 15 aos 24 e -6% dos 25 aos 64 anos.
É por demais evidente o fenómeno do envelhecimento, que tem um lado positivo inegável, associado à tendência de aumento da esperança média de vida. Esse aumento foi interrompido pela pandemia, devido ao acréscimo de mortalidade associado, mas espera-se que a trajetória ascendente da esperança média de vida seja retomada, assim o Governo seja capaz de resolver os problemas mais prementes da Saúde, mas isso já seria um tema para outra crónica.
O envelhecimento traz, ao mesmo tempo, desafios enormes ao nosso mercado de trabalho e às empresas, bem como à Segurança Social, como é sabido.
Se há medidas ao nível de promoção da natalidade que devem ser tomadas e são urgentes, é certo que só no longo prazo se irão refletir num acréscimo de trabalhadores disponíveis para as empresas e potenciais contribuintes para o Orçamento do Estado, incluindo a Segurança Social. Outra solução complementar, com efeitos muito mais imediatos, é conseguir um aumento do saldo migratório.
A taxa de crescimento (efetiva) da população pode ser decomposta entre a taxa de crescimento natural (associada ao saldo natural, a diferença entre nascimentos e óbitos) e a taxa de crescimento migratório (decorrente do saldo migratório, a diferença entre imigrantes e emigrantes).
A nossa reduzida taxa de natalidade (das mais baixas a nível europeu), em conjunto com o aumento da esperança média de vida (um aspeto positivo, como referido), reflete-se numa taxa de crescimento natural negativa, uma tendência estrutural que determina uma redução da nossa população caso a taxa de crescimento migratório (mais volátil) não seja superior. É nessa premissa que assentam as projeções de longo prazo da população portuguesa, todas apontando para uma forte redução do número de residentes portugueses nas próximas décadas.
Talvez possamos ser mais otimistas nas projeções para o saldo migratório, mas para tal há que trabalhar ativamente nesse sentido através de políticas públicas mais adequadas.
Na verdade, passados os anos mais complicados do programa de ajustamento da troika, em que a taxa de crescimento migratório foi bastante negativa, desde 2017 que este indicador apresenta valores positivos e crescentes, de tal modo que desde 2019 tem superado a taxa de crescimento natural negativa e permitido uma recuperação (ainda que diminuta) da população.
Em 2021, a taxa de crescimento migratório subiu para 0,96% (correspondendo a 99 mil pessoas) e sobrepôs-se claramente à taxa de crescimento natural de -0,44% (-45 mil pessoas), traduzindo-se num crescimento de 0,52% da população (quase 54 mil pessoas), claramente o valor mais alto na série disponível (com início em 2011), seguindo-se a valores de 0,02% em 2020 (2 mil pessoas) e 0,19% em 2019 (19 mil pessoas).
Feitas as contas, de 2019 a 2021, a população aumentou em 75 mil pessoas, o que parece um valor importante, mas é muito pouco para contrariar a redução de 296 mil pessoas registada entre 2011 e 2018 (dividida entre 166 mil pessoas perdidas via saldo natural negativo e outras 130 mil via saldo migratório negativo, com mais 82 mil emigrantes e menos 48 mil imigrantes), período que abrange o programa de ajustamento da troika.
Esse aumento de 75 mil residentes em três anos resultou da entrada de 169 mil imigrantes (dos quais 99 mil em 2021, como referido) e, em menor medida, da diminuição de 16 mil emigrantes (temporários e permanentes), perfazendo 185 mil pessoas de saldo migratório positivo, que contrariou a perda de 109 mil pessoas via saldo natural negativo (nascimentos menos óbitos).
Todos estes números servem para demonstrar duas coisas relativamente simples.
Primeiro, que a entrada de imigrantes é muito importante para o reequilíbrio populacional e, consequentemente, do mercado de trabalho e das contas públicas nacionais, até porque geralmente a população imigrante tem taxas de natalidade superiores à dos nacionais, podendo ainda contribuir para suprir carências específicas da oferta de trabalho nacional. Mas o afluxo relevante de imigrantes - beneficiando, mais recentemente, da imagem de país seguro, longe da atual guerra na Ucrânia, e com um clima e gentes muito aprazíveis e acolhedores - requer políticas públicas apropriadas para acolhimento e capitalização do capital humano (via formação e reconhecimento de competências), bem como para mitigar eventuais efeitos económicos indesejáveis, como a pressão imobiliária nas grandes cidades. A realidade demonstra que há muito a melhorar nestes domínios e no aproveitamento das várias oportunidades de imigração (e.g., refugiados ucranianos, entre outros; acordos de imigração; nómadas digitais).
Segundo, que o saldo migratório pode e deve ser reforçado de forma mais substancial e estrutural por via da redução da emigração - cujo impacto na recuperação recente da população é muito diminuto por comparação com o da imigração -, o que requer políticas abrangentes e integradas de retenção de talento, de aumento da produtividade e de redução da carga fiscal. Só assim será possível os nossos empregadores (do setor privado, mas também do público) pagarem salários mais elevados que evitem evitar a saída de trabalhadores qualificados (jovens em particular) para países com maiores remunerações e perspetivas de carreiras, incluindo países europeus que entraram na União Europeia depois de Portugal (recebendo menos fundos comunitários) e nos ultrapassaram em nível de vida.
Em 2019, 42,3% dos nossos emigrantes permanentes tinhan formação superior. O número baixou para 34,2% em 2020, mas pode ter sido influenciado pela pandemia. Seja como for, são números que nos devem fazer pensar seriamente o rumo do País, pois demonstram de forma clara o potencial de talento que o nosso país produziu, mas foi incapaz de reter e aproveitar, acabando por beneficiar os países de acolhimento, que certamente adotaram políticas relativamente melhores ao longo da sua história mais longínqua e recente.