José António Moreira, Jornal i online

O défice de numeracia não é consequência única do uso de máquinas de calcular. Também a redução acentuada da proporção de pagamentos em notas e moedas tem vindo a contribuir para o respetivo aumento.

Numeracia: capacidade para realizar e compreender operações aritméticas simples.

O cálculo inerente era o dispêndio com um determinado evento que tinha uma duração de 10 meses e custava 176 euros mensalmente. Face à expetativa do professor, aguardando que fosse inserido na tabela o montante respetivo, o estudante sacou do telemóvel, justificando a ação com o facto de não ter consigo a máquina de calcular. A situação passou-se numa unidade curricular de contabilidade, num curso superior. Infelizmente, não se trata da exceção que confirme a regra de que os estudantes são ágeis no cálculo mental. Não, a incapacidade para efetuar mentalmente cálculos básicos é a regra.

Muito recentemente, o jornal Financial Times (FT) online fazia eco de um estudo sobre numeracia levado a cabo no Reino Unido. Defrontados com 5 problemas, do tipo calcular a soma de 34+17, os inquiridos no escalão 55 – 75 anos acertaram em 3 dessas perguntas em 54% dos casos, enquanto no escalão 16 – 24 anos esse desempenho se ficou pelos 41%.

As máquinas de calcular existem para serem usadas e para auxiliar no cálculo. Mas, quando essa utilização se inicia na mais tenra idade, coarta o desenvolvimento da agilidade mental mínima que se espera de um ser humano escolarizado e o torna capaz de sobreviver quando não exista à mão um qualquer artefacto calculador.

Porém, o défice de numeracia na atualidade já não é causado apenas pelo uso destas máquinas. No mesmo artigo do FT, o autor chamava a atenção para um recente comportamento que tem contribuído para o agravamento de tal défice. Ao longo da última década, no Reino Unido, a percentagem de pagamentos feitos com “dinheiro” (notas e moedas) reduziu-se de 55% para 15% do total. Mais, cerca de 35% dos inquiridos numa sondagem referiram que ou não faziam de todo pagamentos em “dinheiro”, ou faziam em média cerca de 1 pagamento por trimestre. As consequências deste novo comportamento financeiro, sobretudo para as crianças e jovens, são devastadoras para a respetiva familiarização com os números. Repercutem-se no seu desempenho escolar nas áreas que têm um substrato numérico, como a matemática, onde a ausência de experiência concreta com os números dificulta a passagem à abstração numérica; repercute-se, também, com crescente impacto à medida que vão crescendo, nas suas vidas sociais e financeiras.

No período da massificação das máquinas de calcular, davam-se calculadoras às crianças porque se acreditava que no futuro as máquinas fariam as contas pelos humanos e era bom que aquelas estivessem preparadas para tal; hoje, possivelmente, não se cuida de fazer as crianças interagirem com a prática da numeracia associada aos pagamentos com notas e moedas, porque o futuro será baseado no “dinheiro invisível”. Em ambos os casos, esteve (está) em causa um abreviar de etapas, o entrar de olhos fechados num futuro de que não se conhecem devidamente os contornos, uma atitude perigosa para mentes em formação.

Os danos podem ser muito graves para a sociedade como um todo, para cada criança e jovem em particular. Deixando as consequências que podem advir para as escolhas do percurso académico e profissional de cada um – visível na escolha de “cursos sem números”, porque se lhes tem fobia –, haverá uma maior propensão destas pessoas a serem defraudadas ou financeiramente excluídas.  

Os adultos também não estão isentos de consequências negativas, ao abdicarem de operar com “dinheiro”. E o que o artigo refere é, em parte, o que qualquer um já sentiu. Quando se fazem compras e se paga com “dinheiro”, há uma sensação mais acutilante do custo do que se compra, do sacrifício que está inerente. O pagamento sem recurso a “dinheiro” diluiu de todo essa sensação, o que tende a levar a menor parcimónia nos gastos; adicionalmente, leva também a que se cuide menos do controlo do valor de cada transação – muitas vezes nem se tem a verdadeira perceção do valor pago, pois a rapidez com que se encosta um cartão ou telemóvel a um terminal a isso obsta –, possibilitando um aumento de situações de erros, ou mesmo fraudes.

Adaptando a célebre máxima popular, de que “nem tudo o que reluz é ouro”, poderá dizer-se que aquilo que nos faz querer chegar rapidamente ao futuro pode não ser tão glamoroso como à partida se pensa. E quando estamos a falar de crianças e jovens, que têm uma vida inteira pela frente, os erros de educação e formação hoje cometidos podem ser um pesadelo sem fim.