Daniel Aguiar Espínola e Marcus Vinicius Braga, Estadão
Richard Thaler (1945-), pesquisador americano laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 2017, inserido no ramo do conhecimento comumente chamado de economia comportamental, defendeu em suas obras que o comportamento das pessoas não segue, necessariamente, a lógica apontada pela teoria econômica clássica.
Sustentado nos ombros de outros gigantes, também ganhadores do mesmo prêmio, como Daniel Kahneman (1934-) e Herbert Simon (1916-2001), Thaler humanizou a discussão econômica, observando que o homo economicus - chamado por ele de "Econs" - que atua e decide de forma racional, com amplo acesso à informação e plena capacidade de processamento, é uma abstração. O mundo, segundo Thaler, é feito de pessoas reais, e as escolhas dos indivíduos não seguem uma racionalidade tão perfeita e previsível. Para o ganhador do Nobel, antes de "Econs", seríamos, na verdade, "Humans".
As discussões de Thaler ilustram algo que já se sabe intuitivamente - que a visão do indivíduo, suas motivações e sua lógica, são pressupostos relevantes para qualquer constructo teórico. E em tempos nos quais as discussões de integridade andam tão afloradas, em especial na Administração pública, certamente essa abordagem se aplica à questão: De que ser humano estamos falando quando o tema é a agenda anticorrupção?
Quando se tenta compreender as motivações que levam um agente público a adotar uma conduta desonesta, o senso comum nos arrasta para os extremos de pessoas íntegras contrapostas às facínoras. As primeiras buscam ser corretas em quaisquer circunstâncias, e as segundas buscam burlar as regras, qualquer que seja o contexto. Este raciocínio implica em um reducionismo frente a uma questão tão complexa. Todavia essa mesma falácia cotidiana direciona com frequência a agenda anticorrupção governamental, gerando implicações práticas e reflexos nas políticas públicas.
Nessa visão simplista, a honestidade seria algo dado, de foro íntimo, fruto de história familiar ou de uma formação religiosa, e se fortaleceria através de convencimentos externos, fundamentados em uma sólida base moral. Superestima-se dessa forma o altruísmo, na visão de que os indivíduos buscarão sempre fazer a coisa certa, independentes de um sistema de sanções e incentivos, simplesmente por terem personalidades que cultuam valores, convencidos de seguir a senda do bem, independente do contexto.
Ao sair dessa visão maniqueísta, tem-se avanços na explicação para a honestidade e desonestidade dos indivíduos derivada dos estudos do economista Gary Becker (1930-2014), que sugeriu que as pessoas cometeriam crimes com base em uma análise racional de cada situação. Tal concepção baseava-se em uma análise de custo-benefício, em que o indivíduo estimaria as vantagens do ato desonesto, as possíveis punições, e a probabilidade de ser descoberto.
Com base nesta teoria, entende-se que para reduzir as atitudes desonestas, o Estado poderia optar por intervenções com diferentes graus de coerção, tais como realizar campanhas informativas sobre os riscos relacionados às condutas, penalizar com "tolerância zero" situações de fraude e corrupção etc. Construindo assim um sistema de incentivos e sanções que aumentariam os custos de se cometer atos corruptos.
Mesmo essa abordagem, que se sobrepõe a uma visão de fossilização do caráter, não explica todos os fenômenos. As reações que as pessoas apresentam frente a dilemas éticos são muitas vezes inconsistentes, ou até hipócritas, se comparadas com suas autoimagens ou formações éticas - ou seja, as pessoas podem se atribuir possuidoras de certos princípios morais ou serem instruídas para agirem dessa forma, mas frequentemente encontram justificativas para agirem de modo contrário a eles.
Discussões a partir das obras do pesquisador israelense Dan Ariely (1967-), um crítico das ideias de Becker, demonstram que as questões que perpassam a atuação corrupta dos indivíduos se baseiam em uma racionalidade distinta daquela que tradicionalmente pensávamos. Através de estudos científicos, Ariely observou que as pessoas tendem a trapacear menos do que poderiam, mesmo quando não há possibilidade de detecção. Ao mesmo tempo, elas agem de forma desonesta mais do que imaginam, por razões que são uma mistura complexa de disposições, quadros cognitivos e influências situacionais - até o limite em que elas possam manter uma autoimagem ética.
Em uma breve explanação, já se veem três visões do ser humano e das suas motivações para a probidade. Uma centrada no traço moral imanente, a segunda no cálculo mental de custo-benefício do ato corrupto, e uma terceira que se pauta na própria percepção do agente em relação a sua moralidade, permeada pela reação de terceiros. Três prismas que impactam, como pressupostos, na construção dos mecanismos que instrumentalizam a agenda anticorrupção.
Perceber que a agenda se sustenta por uma determinada visão de mundo, e que não é coerente as vezes, quebra a visão supostamente hegemônica da atuação anticorrupção, como fez Thaler com a economia comportamental. Assim, se traz para essas políticas e orientações práticas o fundamento de estudos das ciências comportamentais, rompendo paradigmas de adoção de modelos padronizados de regulamentação, bem como de ações de comunicação adotadas em programas de promoção de integridade de cunho eminentemente moralista, remetendo a padrões éticos abstratos e à boa vontade individual.
Um componente central da agenda anticorrupção consiste, portanto, em entender a ação ética (ou antiética) como um comportamento humano, em toda a sua complexidade e contextualização, carregado de seus fatores individuais, culturais e organizacionais. Nesse campo, os estudos das ciências comportamentais, que trazem "Humans" para o centro das discussões, podem ser de grande utilidade para novas intervenções e aprimoramento daquelas tradicionalmente empregadas, buscando políticas anticorrupção mais efetivas e menos onerosas, e que lidem com pessoas reais.