Raquel Brito, OBEGEF
Só por muita ingenuidade (ou ignorância) poderiam os decisores políticos crer que determinada política pública, independentemente da área de intervenção, tenha algum sucesso sem uma abordagem multidisciplinar.
Só por muita ingenuidade (ou ignorância) poderiam os decisores políticos crer que determinada política pública, independentemente da área de intervenção, tenha algum sucesso sem uma abordagem multidisciplinar.
Obviamente, as políticas públicas de prevenção da fraude e corrupção não serão exceção, muito pelo contrário. Pela sua complexidade, este fenómeno é merecedor de uma reflexão profunda e redobrada atenção. Podendo qualquer cidadão aceder a informações pertinentes sobre o fenómeno em diversas instituições. No Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) em Análise de informação recebida no CPC (tcontas.pt) com dados quantificados; em instituições como Transparência Internacional Transparência Internacional Portugal (transparencia.pt) e até na própria Comunicação Social.
Por limitações diversas e sem pretensões científicas concentremo-nos na denúncia!
Numa breve análise das denúncias contabilizadas pelo CPC entre 2018 e 2021 temos uma variação entre 604 (2018) e 796 (2019). O que é, aparentemente, pouco significativo pelo número de habitantes. Cientificamente, esta observação não tem qualquer valor, não sendo aceitável retirar conclusões daqui. É, no entanto, útil para nos fazer refletir sobre o assunto e questionar:
Será a nossa perceção exagerada? Será a Comunicação Social alarmante? Serão as denúncias exíguas?
No campo das denúncias, assistimos, recentemente, a uma alteração legislativa de elevada importância, a Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro (Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações). Não sendo possível argumentar sobre a sua real eficácia. Pois, e sejamos justos, nem decorreu o espaço temporal suficiente para tal análise, nem sequer a sua (correta) implementação no setor público (!) Entidades do Estado não protegem denunciantes | Transparência Internacional Portugal (transparencia.pt). Ou seja, se não há implementação da medida, como avaliá-la?
Mas, esta crónica procura uma outra abordagem à problemática da denúncia, que ultrapassa a mera legislação: Que fatores conduzem (ou não) o individuo a denunciar?
Estudos empíricos realizados nos EUA na década de 80 revelam que a não denúncia pode conter diversas razões subjacentes, nomeadamente o medo de retaliação, a crença na falta de eficácia de ação após a denúncia ter lugar bem como, o facto de o incidente ter pouco impacto na vida de quem o observa. Há autores que listam razões subjacentes ao processo individual que conduz à decisão (ou não) de “blows the whistle”, tais como: se a atividade em questão é errada; se a situação é merecedora de denúncia, se existe, efetivamente, alguma responsabilidade pessoal em denunciar, entre outras. Na literatura internacional a lista de “justificações” para não denunciar é extensa e objeto de estudo. Instrumentos como Self-report Surveys e Victim Surveys são um contributo precioso para estes achados.
É digna de destaque, na comunidade científica internacional, a importância da interpretação que cada funcionário/colaborador tem sobre o que são (ou não) comportamentos denunciáveis. Assim como as questões éticas sobre o dever cívico da denúncia devem igualmente ser cuidadosamente estudadas.
Assim, revela-se fundamental analisar os diversos fatores que podem comprometer a denúncia. Será que na verdade, escasseiam as denúncias legitimas e poderemos estar perante um elevado número de cifras negras no fenómeno da corrupção?
É contraproducente esperar que (mais) uma lei, com toda a sua relevância, só por si, tenha resultados muito distintos dos conhecidos à data. Meras transposições de diretivas europeias não surtirão qualquer sucesso da prevenção da corrupção.
O estudo deste fenómeno não tem cessado, e novos desafios deverão ser sempre colocados. Mas, é fundamental uma abordagem eclética do ponto de vista científico. O alcance de efeitos positivos pela aplicação de medidas concertadas não se consegue sem regulamentação, formação, implementação, avaliação (antes e depois).