Miguel Abrantes, Jornal i online
Seria útil que na Europa não se confiasse em demasia nas denúncias efetuadas por empresas interessadas em aderir a programas de clemência, mas fosse adotada uma postura pró-ativa através da utilização de métodos científicos para verificar o excesso de concentração em alguns setores e, posteriormente, iniciar investigações
A expressão destruição criativa começou a ser utilizada nos anos 80 nos Estados Unidos e significa que a dinâmica da sociedade, a evolução tecnológica e os gostos dos consumidores evoluíam no sentido de rejeitar serviços e produtos tradicionais e mostrarem interesse por outros mais recentes. Este comportamento por parte dos consumidores provoca o fim de algumas empresas e o nascimento de outras.
Relacionada com destruição criativa está a expressão concentração destrutiva.
Murray Weidenbaum, o primeiro presidente do Conselho Económico do antigo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, afirmava que o principal objetivo dos governantes devia ser o crescimento económico e não a promoção da concorrência.
Os defensores desta teoria alegam que a existência de monopólios tem a vantagem de as empresas não se preocuparem com a concorrência e, assim, poderem investir mais em inovação e desenvolvimento, criando serviços e produtos mais baratos e de melhor qualidade.
Mais recentemente, os defensores desta teoria apresentam como exemplo a empresa Netflix.
Em muitos mercados esta empresa é monopolista na prestação de um serviço que é disruptivo para os consumidores devido à introdução de um serviço inovador a preços acessíveis para maioria da população.
No entanto, o exemplo atrás referido é uma exceção. A realidade é bem distinta. A diminuição da concorrência com a subsequente criação de monopólios e oligopólios apenas é benéfica para os detentores do monopólio ou para os participantes no oligopólio.
Atualmente, nas economias de mercado é raro existirem monopólios, mas os oligopólios proliferam. Segundo Jonathan Tepper, nos Estados Unidos em quatro dos principais setores de atividade as maiores empresas têm uma quota de mercado igual ou superior a 90%.
O mercado da cerveja é dominado por um duopólio, constituído pela Molson Coors Beverage Company e a pela Anheuser-Busch InBev, as quais comercializam diversas marcas que no seu conjunto vendem mais de 90% da cerveja nos Estados Unidos.
Na aviação comercial, a American Airlines, a Delta, Airlines, a United Airlines e a Southwest dominam a quase totalidade do tráfego aéreo.
Na agricultura, a Archer Daniels Midland Company, a Bunge Limited, a Cargill Incorporated e a Louis Dreyfus Company B.V, controlam cerca de 90% do mercado de cereais.
No setor grossista de fármacos, a AmerisourceBergen, a McKesson Medical-Surgical e a Cardinal Health comercializam mais de 90% dos medicamentos.
No setor bancário não existe um oligopólio que controle 90% dos ativos detidos por bancos americanos, mas, no seu conjunto, o JPMorgan Chase & Co, o Bank of America, o Citigroup Inc., a Wells Fargo e a UBS controlam cerca 50%.
Por outro lado, as três maiores tecnológicas do mundo, a Google Inc, a Meta Platforms (proprietária do Facebook) e a Amazon.com, Inc, beneficiaram da complacência das reguladoras na aplicação das leis antitrust. A Amazon comprou vários rivais que vendiam livros pela internet. A Google comprou a DoubleClick Digital Marketing, a sua maior rival, e a multinacional proprietária do Facebook (a Meta Platforms) comprou o Instagram e o WhatsApp.
No que respeita à União Europeia, em 2006 foi aprovado o ECN Model Leniency Programe. Este programa prevê a existência de um de pedido de clemência, a qual pode ser atribuída a qualquer empresa que revele a sua participação num cartel, com a condição de ser a primeira entidade a fornecer informações e elementos de prova que possibilitem a investigação ao alegado cartel.
Desde a aprovação do referido programa, a Comissão Europeia por intermédio da DG Comp (Directorate-General for Competition), passou a ter a vida facilitada.
Pois, uma parte significativa da sua atividade passou a ser esperar que operadores económicos apresentem denúncias e respetivos elementos de prova para depois investigar.
Esta atuação tem proporcionado a descoberta de alguns carteis poderosos e, consequentemente, o seu desmantelamento e aplicação de multas. No entanto, o seu âmbito de aplicação é limitado: as entidades reguladoras ficam dependentes dos interesses das empresas que participam nos cartéis.
Apesar de todas as contingências que existem nos Estados Unidos, atrás referidas, as autoridades norte americanas têm uma atuação mais pró-ativa que as europeias.
Nos Estados Unidos, ao contrário do que sucede na Europa, são utilizados métodos científicos para identificar setores muito concentrados e, posteriormente, proceder a investigações. Para o efeito, as autoridades americanas utilizam, designadamente, o índice HHI (Herfindahal-Hirschman).
Este índice é calculado através da elevação ao quadrado da quota de mercado de cada empresa. Quanto, através dos cálculos efetuados, se verificar que quatro ou menos empresas têm uma quota de pelo menos 25%, o Departamento de Justiça considera o setor concentrado e pode iniciar uma investigação.
Seria útil que na Europa não se confiasse em demasia nas denúncias efetuadas por empresas interessadas em aderir a programas de clemência, mas fosse adotada também uma postura pró-ativa através da utilização métodos científicos para verificar o excesso de concentração em alguns setores e, posteriormente, iniciar investigações.