Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Sendo Portugal um dos países mais "centralizados" da União Europeia, a questão da necessidade (ou não) de uma significativa descentralização, com a eventual criação de regiões político-administrativas, tem estado periodicamente na ordem do dia.

A teoria do federalismo fiscal assinala princípios orientadores em termos de repartição de competências entre diversos níveis do poder político. O primeiro desses princípios é o da subsidiariedade, considerando que as atribuições funcionais e operacionais e os correspondentes poderes político-administrativos devem situar-se ao mais baixo nível praticável para, assim, maximizar a eficiência na afetação dos recursos e a eficácia na tomada de decisão.
É igualmente possível identificar dois grupos de fatores que atuam em sentidos opostos quanto aos prós e contras de um processo centralizado ou descentralizado de tomada de decisão e execução de políticas.
De um lado, os elementos a favor da centralização de competências assentes: (i) nos benefícios que resultam de uma maior dimensão em população, território, rendimento e riqueza; (ii) na necessidade de maximizar os efeitos externos positivos do fornecimento de alguns bens e serviços públicos e de minimizar os efeitos de spillovers negativos, incluindo as potenciais distorções derivadas de processos de concorrência interjurisdicional; e (iii) no carácter estratégico a nível nacional de certos recursos, na necessidade de cumprimento das funções redistributivas e no desenvolvimento de políticas de estabilização da economia nacional.
De outro lado, os elementos a favor da descentralização de competências baseados: (i) nos custos resultantes de uma maior heterogeneidade de preferências da população sobre políticas governamentais e sobre o tipo de bens e serviços a fornecer pelo sector público; (ii) na existência de assimetrias e fricções na transmissão de informação entre o nível a que são detetados os problemas e aquele a que se tomam as decisões; e (iii) nas vantagens decorrentes de possíveis reforços da capacidade de controlo democrático e da participação política dos cidadãos, assim como da capacidade de "votar com os pés".
Certamente que nem todos estes elementos são passíveis do mesmo tipo de objetivação, com a heterogeneidade de preferências e a assimetria e custos de informação, pelo lado da descentralização, e a existência de economias de escala e a necessidade de internalização dos eventuais efeitos de spillover, pelo lado da centralização, a assumirem-se como os mais fáceis de identificar em concreto.
Assim, onde for possível verificar spillovers significativos, verificar a existência de importantes efeitos de economias de escala e reduzida diversidade de preferências, o exercício de competências deveria ser efetivado a níveis superiores de governo (i.e., governo central), mas eventualmente também ao nível intermédio, correspondente, no caso português atual, às áreas metropolitanas e às comunidades intermunicipais (e, eventualmente no futuro, às regiões político-administrativas).
Já nas áreas marcadas por forte diversidade regional de preferências e/ou por maior facilidade de acesso à informação por parte das autoridades subnacionais, o exercício de competências deveria ser efetivado a níveis inferiores de governo, particularmente a nível municipal, mas eventualmente também ao nível intermédio.
Por fim, nas áreas onde elementos de um e outro lado se afigurem como significativos, o exercício de competências deveria passar por níveis intermédios de governo e por um elevado grau de cooperação entre os diversos níveis de poder, nomeadamente na base de competências partilhadas.
Por razões de natureza histórica, social, cultural e geográfica, as preferências em Portugal são relativamente homogéneas, o que suscita um processo bottom-up de centralização. No entanto, fatores associados à assimetria de informação sugerem que não será, de todo, apropriada uma generalização da formação de um nível hierárquico intermédio de governo à custa apenas de um esvaziamento global e progressivo das funções de nível municipal. Pelo contrário, a reorganização deverá constituir, em geral, um elemento de apoio e de reforço da própria descentralização municipal, designadamente como garante de uma maior eficácia e eficiência administrativas.
Por outro lado, apesar da reconhecida homogeneidade étnica, linguística e religiosas, não deixa de existir heterogeneidade em termos espaciais em dimensões como o tipo de especialização produtiva, o grau educacional médio das populações ou o nível de cobertura por infraestruturas públicas básicas. Neste quadro, a reorganização político-administrativa deveria conduzir a maior coesão territorial, mitigando o fosso entre as áreas centrais mais desenvolvidas, dotadas de todo um conjunto de mecanismos de natureza social, económica e política que atuam no sentido do auto-agravamento do afastamento, em termos de prosperidade e desenvolvimento, entre estas áreas e as áreas periféricas.
Com uma delimitação precisa das competências ao nível hierárquico intermédio do Estado e uma definição rigorosa do seu modo de financiamento, o objetivo operacional a atingir, com uma eventual reorganização político-administrativa em Portugal, deverá ser maior eficiência e eficácia, significando menores custos para o fornecimento do mesmo conjunto de bens e serviços públicos, a par com um melhor desempenho das restantes funções do Estado.