António João Maia, Expresso online

Estas circunstâncias são muito favoráveis para o crescimento e desenvolvimento da demagogia e para o aparecimento de fenómenos com alguma consistência de procura de poder absoluto e tirânico

Consta que Winston Churchill terá afirmado, num dos seus célebres discursos, que a democracia é o sistema de organização política menos mau de entre todos os que se conhecem.

De facto, que melhor opção podemos considerar para a escolha das lideranças políticas para gerir os nossos interesses coletivos do que a que resulte de processos eletivos esclarecidos, livres e universais?

Esclarecidos, na medida em que os cidadãos conheçam e reconheçam a utilidade da função política e os projetos e ideias propostas pelas diversas forças em presença em cada ato eleitoral (momento de concretização da escolha democrática e da própria democracia).

Livres, uma vez que cada cidadão opta livremente, em consciência, pelo projeto que lhe pareça o melhor para servir os interesses de todos.

Universais, porque todos os cidadãos têm a possibilidade e sobretudo o dever responsável de contribuir para essa escolha de verdadeiro interesse coletivo.

O problema é que a democracia tem uma natureza muito frágil e o seu grande alicerce é a confiança.

E a fragilidade da democracia começa logo na forma como na realidade se concretizam os referidos pressupostos que a caracterizam. Ou seja:

Estarão os cidadãos, estaremos nós, efetivamente esclarecidos sobre a utilidade da função política e a importância dos projetos e das ideias propostas pelas diversas forças em presença em cada ato eleitoral?

Se é verdade relativamente à segunda parte da questão, na medida em que temos campanhas eleitorais que se destinam precisamente a esse esclarecimento (embora possamos sempre questionar se ele é suficientemente claro, realista e exequível), suscitam-se algumas dúvidas quanto à questão de base, ou seja, saberá a generalidade das pessoas para que serve efetivamente e como se organiza a função política?

Na realidade, o sistema formal de ensino – talvez com exceção das formações em áreas como o direito, a filosofia, a ciência política ou a administração pública – não tem evidenciado grandes preocupações quanto a esta importante vertente da vida coletiva. Explicar aos mais novos, aos cidadãos de amanhã, para que serve, como se estrutura e funciona o processo de gestão do interesse coletivo, das questões que a todos interessam, porque são elas que efetivamente são o objeto da ação política dos Estados, trata-se de algo de importância inquestionável.

Em qualquer sociedade existem sempre questões de interesse coletivo (segurança, defesa, educação, saúde, etc.) que têm de ser tratadas com um enquadramento adequado e próprio. As funções de natureza pública e política têm precisamente esse propósito.

Este conhecimento é de grande importância para um maior envolvimento dos cidadãos na participação nos processos democráticos e na gestão coletiva das questões que a todos importam.

As elevadas taxas de abstenção que se têm verificado nos sucessivos atos eleitorais não estão por certo dissociadas da presença da fragilidade indicada. Muitas pessoas abstêm-se de participar nos atos eleitorais simplesmente porque desconhecem exatamente para que serve o seu voto. E este desconhecimento, mais ou menos profundo, do cidadão médio acaba por se traduzir numa menor consciência sobre as responsabilidades e os deveres de cada um relativamente à participação nos atos importantes de gestão da vida e dos interesses coletivos.

E depois, como se esta fragilidade não fosse por si só geradora de desconfiança sobre o sistema, temos as constantes notícias da ocorrência de atos de menor integridade e de corrupção envolvendo precisamente alguns daqueles que foram eleitos através de processos de eleição democrática. Trata-se de uma agravante muito forte no quadro de desconfiança sobre as boas intenções que continuamos a atribuir ao exercício de funções de natureza pública e à importância da democracia.

Estas circunstâncias são muito favoráveis para o crescimento e desenvolvimento da demagogia e para o aparecimento de fenómenos com alguma consistência de procura de poder absoluto e tirânico.

A responsabilidade do exercício de funções públicas e políticas tem o dever de criar políticas públicas de reforço do esclarecimento dos cidadãos sobre o que é, qual a função e como funciona a democracia, sobre a responsabilidade de cada um no envolvimento nesse processo e dos deveres de integridade e transparência no exercício de funções. E as instância de controlo sobre o funcionamento do Estado e de despiste de situações de fraude e corrupção têm a importante função de aplicar atempadamente as punições relativas às práticas daquela natureza.

Se não formos capazes de avançar nestes âmbitos, a democracia corre alguns riscos de poder fracassar.