António Maia, Expresso online
Qual dos dois fatores explica melhor os sinais de prevalência de integridade que as organizações parecem revelar? Os índices de integridade mais adequada da maioria dos seus colaboradores, ou o facto de muitos deles exercerem funções que, pela sua natureza, não oferecem oportunidades vantajosas que justifiquem a opção pela fraude e a corrupção, ou ainda por receio de deteção e punição?
Por razões profissionais e académicas tenho tido a oportunidade de trabalhar com a componente das políticas promotoras da ética e da integridade e de despiste e prevenção de riscos de fraude e corrupção nas organizações, sobretudo daquelas que constituem o denominado universo do Estado ou do Setor Público.
Esta atividade tem compreendido o desenvolvimento de ações de apoio e acompanhamento formativo e de desenho e dinamização de metodologias e instrumentos de promoção e aprofundamento de culturas de integridade, como sejam códigos de ética e conduta, manuais de boas práticas, planos de prevenção de riscos de fraude e corrupção e agora, mais recentemente, por via do novo quadro normativo de prevenção da corrupção, da estruturação e dinamização de canais de denúncia.
Claro que o desenvolvimento destes projetos tem permitido, muito naturalmente, o contacto e a troca de impressões com os colaboradores das organizações, incluindo dirigentes, técnicos e todo o tipo de funcionários e trabalhadores que nelas exercem funções, sobre questões tão importantes como sejam a ética, a integridade, a transparência, a responsabilidade, os riscos de fraude e corrupção e a necessidade e importância da sua prevenção.
Da dinamização destes projetos, e sobretudo dessas reflexões que sempre se desenvolvem em seu redor, tem emergido uma certa perceção transversal e até unânime, com a qual tendo a concordar, que aponta no sentido de subsistirem sinais de prevalência da integridade sobre as situações de fraude e corrupção, ainda que todos reconheçam, como se sabe, que, por um lado, estamos perante uma problemática que se apresenta com uma natureza tendencialmente oculta, e, por outro, que não existem exemplos de perfeição, tanto nos modelos e eficácia da gestão, como no índice de integridade dos colaboradores.
Um sinal que creio possamos considerar para suportar a referida perceção diz-nos muito simplesmente que se a realidade das organizações se apresentasse tendencialmente diferente, ou seja com maior prevalência de sinais de fraude e corrupção, o mais provável seria que, com o decurso do tempo, tendessem para a desagregação, precisamente em resultado da má gestão, dos conflitos de interesses, do desrespeito pelo cumprimento das funções e do crescente descrédito aos olhos dos cidadãos.
E é precisamente neste ponto, de uma aparente confrontação de perceções, em que, por um lado, se reconhece uma natural imperfeição dos sistemas de gestão e dos próprios índices de integridade dos colaboradores, e, por outro lado, se constata o funcionamento tendencialmente adequado das organizações, se suscita a seguinte questão:
Qual dos dois fatores explica melhor esses sinais de prevalência de integridade e de gestão adequada que as organizações parecem revelar? Os índices de integridade mais adequada da maioria dos seus colaboradores, ou o facto de muitos deles exercerem funções que, pela sua natureza, não oferecem oportunidades vantajosas que justifiquem a opção pela fraude e a corrupção, ou ainda por receio de deteção e punição?
A ser mais preponderante a primeira possibilidade, isso significará que, apesar das imperfeições, a maioria dos colaboradores se revela intrinsecamente íntegro e que esse fator os impede, em consciência, como uma força inibidora interior, de praticar atos de fraude e corrupção. Os códigos de ética e de conduta são instrumentos que reconhecem como potencialmente uteis e a que facilmente aderem.
A ser mais preponderante a segunda explicação, a de que os colaboradores tenderão a praticar atos de fraude e corrupção se perceberem que lhes podem propiciar boas vantagens para os seus interesses, então os instrumentos de prevenção de riscos e os canais de denúncia devem ser uma realidade muito forte e potencialmente eficaz na organização, de modo a reduzir as oportunidades e a provocar a inibição por receio de deteção e punição.
Como o mais provável seja que nas organizações tenhamos sempre a presença de colaboradores com um ou outro perfil, o mais adequado, como a lei agora requer, seja que existam instrumentos promotores da cultura de integridade e inibidores das opções pela fraude e corrupção.
Sobre esta temática da fraude e da corrupção e do modo como parece ser ainda percebida e encarada pela gestão das organizações, deixamos alguns resultados revelados pelo mais recente trabalho realizado em Portugal relativo à perceção dos empresários sobre a fraude e a corrupção no mercado empresarial – Estudo Deloitte 2022 - Portugal. O estudo, que envolveu um total de 190 empresários, revelou que para 44%, a fraude no mercado empresarial aumentou, tendo-se traduzido maioritariamente na apropriação e desvio de fundos e na prática de crimes de natureza tecnológica. A maioria dos entrevistados (87%) assume que as suas empresas dispõem de políticas, mecanismos e procedimentos de prevenção e deteção de fraude e corrupção, apesar de 33% considerar que esses instrumentos são menos adequados, e de 27% subvalorizar a necessidade de avaliação de riscos. Ainda assim, 64% assumem que as suas empresas dispõem de códigos de ética e de conduta, 52% dispõem de política anticorrupção e 48% de canais de denúncia. Quanto às fragilidades percecionadas como mais associadas às ocorrências de fraude e corrupção, 36% considera que são os conflitos de interesses, 19% o recebimento indevido de vantagem ou de ofertas e 14% o abuso de poder.