Manuel Castelo Branco, OBEGEF

Não só os bancos não são meros intermediários, como a poupança não é indispensável para que ocorra investimento.

O anúncio dos recipientes do mais recente “prémio Sveriges Riksbank de ciências económicas em memória de Alfred Nobel” a Ben S. Bernanke, Douglas W. Diamond e Philip H. Dybvig, fez-me lembrar de dois dos mais importantes economistas do século passado, John Kenneth Galbraith e Joan Robinson. Robinson por se ter referido à necessidade de estudarmos Economia com o objetivo de não nos deixarmos enganar pelos economistas. Galbraith por, no seu último livro, publicado em 2004 com o título “A Economia da fraude inocente”, se ter debruçado sobre “como, devido às pressões e modas pecuniárias e políticas do momento, a Economia e outros sistemas económicos e políticos mais abrangentes cultivam a sua própria versão da verdade”, a qual “não tem, necessariamente, relação com a realidade”. Prefere-se “aquilo que serve, ou não é adverso, aos interesses económicos, políticos e sociais mais influentes”. Galbraith chamou a isto “fraude inocente”. Refira-se que o que se comenta nesta crónica não é o trabalho dos três laureados, mas a forma como a atribuição do prémio é apresentada e justificada. Uma nota adicional para referir que se adotam neste texto as designações “Economia”, com e maiúsculo, para o saber científico, e “economia”, com e minúsculo, para os aspetos da realidade por ela estudados.

No comunicado de imprensa da Royal Swedish Academy of Sciences em que se dá conta da decisão de atribuir o prémio em causa aos três economistas referidos, afirma-se que "para que a economia funcione, as poupanças têm de ser canalizadas para investimentos”. É aqui que entram os bancos, cujo papel na economia se entende como sendo o de meros “intermediários entre muitos aforradores e mutuários”, por isso se encontrando “mais bem equipados para avaliar a idoneidade creditícia dos mutuários e assegurar que os empréstimos são utilizados para bons investimentos”. Independentemente do que nas obras dos três autores sobre estes temas é afirmado, foi esta visão da realidade a apresentada nos meios de comunicação social. Quase todas a notícias sobre o dito “prémio Nobel da Economia” veicularam esta visão. Mas ela parece não corresponder à realidade.

Não só os bancos não são meros intermediários, como a poupança não é indispensável para que ocorra investimento. Se consultarmos a página web do Banco de Inglaterra, podemos ler, como resposta à questão “Como é criada a moeda?”, “a maior parte da moeda na economia é criada, não pelas máquinas de impressão no banco central, mas por bancos quando eles fornecem empréstimos” (https://www.bankofengland.co.uk/knowledgebank/how-is-money-created).

Documentos relativamente recentes sobre como é criada a moeda, publicados pelo Banco de Inglaterra, em 2014, e pelo Deutsche Bundesbank, em 2017, são cruciais para se compreender o processo. No primeiro destes documentos, com o título “Money Creation in the Modern Economy”, salienta-se que “na economia moderna, a maior parte da moeda toma a forma de depósitos bancários” e que a forma principal de criação de tais depósitos é a “concessão de empréstimos pelos bancos comerciais”, adiantando-se que “sempre que um banco concede um empréstimo, cria simultaneamente um depósito correspondente na conta bancária do mutuário, criando, deste modo, nova moeda” (p. 14). No segundo dos documentos referidos, intitulado “The role of banks, non-banks and the central bank in the money creation process”, afirma-se claramente que “os empréstimos concedidos a não bancos são a mais importante forma de transações que criam moeda em termos de quantidade" (p. 17)

Curiosamente, na página do próprio Sveriges Riksbank, em resposta à questão “O que é a moeda?”, afirma-se, a determinada altura que “não é só o Riksbank que cria nova moeda na Suécia. Os bancos também fornecem nova moeda ao sistema quando concedem novos empréstimos.” (https://www.riksbank.se/en-gb/payments--cash/what-is-money/)

Não obstante, a visão dos bancos como meros intermediários encontra-se amplamente difundida. Não são só os cidadãos “comuns” que não estão cientes de como a moeda é criada. Em 2014, um inquérito efetuado pela organização Positive Money aos membros do parlamento britânico descobriu que 71% dos membros do parlamento se acreditavam que apenas o governo teria poder para criar moeda e apenas 12% consideravam verdadeira a afirmação de que empréstimos bancários criam moeda (https://positivemoney.org/2014/08/7-10-mps-dont-know-creates-money-uk/). Seria interessante levar a cabo um inquérito semelhante em Portugal.

Quem beneficia desta “fraude inocente”? Uma pista para responder a esta questão foi oferecida, em 2020, Stephen Marglin. Este reputado economista da Universidade de Harvard, respondendo à questão de porque sobrevive esta visão dos bancos como intermediários, avança a ideia de que é por se tratar de um “instrumento ideológico útil na luta pela desregulação” (https://justmoney.org/s-marglin-what-do-banks-do/).

Para se compreenderem aspetos da realidade tão complexos como os relacionados com a moeda e o mundo da finança, e para que não deixemos que certos economistas nos iludam, é não só necessário estudar Economia, mas é também necessário estudar a economia socorrendo-nos de outras ciências, como, por exemplo, a sociologia ou a antropologia. Na verdade, alguns dos trabalhos mais úteis para nos ajudar a compreender aqueles aspetos da realidade foram produzidos por cientistas oriundos de outras ciências que não a Economia. Exemplos disto mesmo são, por exemplo, o livro “Dívida - Os Primeiros 5000 Anos” de David Graeber, antropólogo falecido em 2020, ou os livros que a socióloga Mary Mellor sobre a moeda tem vindo a publicar desde o início deste século (“The future of Money” ou “Money – Myths, Truths, and Alternatives”).

Decidi abordar tema tratado nesta crónica também como forma de prestar uma última homenagem ao Professor Doutor Carlos Pimenta, economista e Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, fundador do OBEGEF. Trata-se de um tema que lhe era caro. Debati com ele, em diversas ocasiões, este e outros temas próximos. Recordo com saudade essas conversas. O meu pensamento foi muito influenciado por este ilustre académico desde muito cedo. Muito antes de me tornar seu amigo, estimulou, como meu professor numa disciplina de introdução à Economia, o meu pensamento crítico relativamente a esta área do saber. Na verdade, foi nas suas aulas que me foi dada a conhecer a definição de Economia proposta por Joan Robinson, que apresentei acima. Num dos seus livros mais recentes (“Racionalidade, Ética e Economia”), Carlos Pimenta comentando tal definição, afirma que, caso Robinson tivesse “conhecido a importância assumida pela política económica no mundo contemporâneo acrescentaria certamente ‘para não se ser enganado pelos políticos’”.

as principais da noção que temos hoje de governo aberto - a ideia de se promover governos mais responsáveis, transparentes e colaborativos, que buscam maior eficácia, integridade e confiança. Partindo desse movimento político inicial, o governo estadunidense e outros países que o seguiram foram amadurecendo as principais diretrizes do tema até que, em 2011, na reunião da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), foi criada a Open Government Partnership (OGP) juntamente com outros chefes de Estado e líderes da sociedade civil. A OGP, que hoje congrega 77 países, 106 governos locais e milhares de organizações da sociedade civil, elencou quatro princípios que caracterizariam as práticas de governo aberto: transparência, participação cidadã, accountability, e tecnologia e inovação.

Em síntese, governo aberto é uma forma de governança que busca fomentar a transparência de informações, a integridade nas relações público-privadas, a responsividade e prestação de contas (“accountability”), e a participação social, em apoio aos princípios da democracia e do desenvolvimento sustentável.

Sob a ótica da transparência, os governos devem buscar promover o aumento aos acessos a dados e informações públicas. Desse modo, podem fortalecer a capacidade de cidadãos, movimentos sociais, especialistas acadêmicos e a classe política de se engajarem em debates sobre políticas públicas, fiscalizarem os agentes públicos e induzirem os governos a alocar melhor seus recursos. Para os governos também pode ser positiva a promoção da transparência e um maior acesso público aos seus dados, não apenas para mostrar aos cidadãos como a administração está utilizando os recursos públicos, mas também para melhorar a qualidade dos próprios serviços.

A participação social ou cidadã é um dos pilares fundamentais da democracia. Além de promover o debate público através de audiências, consultas públicas, conferências, fomento para criação de conselhos de políticas e órgãos colegiados com a participação da sociedade civil, sob a ótica do governo aberto, essas práticas devem avançar para promover processos colaborativos na construção de políticas públicas para uma governança mais responsiva, inovadora e efetiva.

Governos abertos também devem prestar contas dos seus atos, justificando, de forma transparente, regular e em linguagem acessível, a motivação de seus procedimentos e políticas, a escolha e emprego dos recursos a eles disponibilizados, os seus resultados e avaliações. Devem, do mesmo modo, se responsabilizar por suas ações e de seus agentes diante do descumprimento de leis e compromissos.

Não há como hoje se falar em governos abertos sem citarmos o papel fundamental das novas tecnologias de informação e da comunicação (TICs). As TICs possuem um papel instrumental que facilita o acesso e monitoramento de serviços públicos, acelerando processos de prestação de contas e aumentando a transparência e a participação social. Ademais, além do mero uso das TICs, também deve ser garantido o acesso aos dados públicos em formato aberto, disponibilizados de acordo com padrões internacionais para publicação e reutilização.

Todavia, a tarefa de abrir os governos é um trabalho árduo, resultado de uma implementação gradual, que envolve muitos desafios no cotidiano da administração pública, longe dos holofotes e dos gabinetes ministeriais. Converter os compromissos internacionais, ações meramente legais e burocráticas, para transformações culturais na forma de governar não é uma tarefa simples. Garantir que os princípios do governo aberto funcionem de fato, significa torná-lo algo relevante para muitas partes do governo - é buscar uma nova forma de implementar a transparência, a participação cidadã, a accountability, e a tecnologia e inovação, para que se infiltrem na vida pública de forma ampla.

Cabe ressaltar que os benefícios do governo aberto podem não ser tão significativos quando somente um dos ramos dos governos, como o Poder Executivo, ou apenas poucos órgãos, busca implementá-los. Ao contrário, ele precisa ser amplamente praticado como uma “forma padrão” de se conceber, implementar e monitorar políticas públicas. Para tanto, se faz necessário promover uma abordagem de governo aberto em todos os Poderes e instituições públicas que moldam a governança estatal, “ligando os pontos” entre suas regulamentações em diversos níveis, as formas de implementação e as melhores práticas. Para tanto, criar padrões normativos em torno de ações para um governo transparente, responsável e participativo nas instituições e fomentar as redes de melhores práticas do setor público podem ser alguns dos passos iniciais.

São, portanto, muitos os desafios legais, institucionais e socioculturais para a efetivação dos princípios de governo aberto, em um contexto inicial de debates conceituais em torno do tema. Mas antes de tudo, depende de nós, enquanto cidadãos, reconhecermos sua relevância e moldarmos um futuro em que os princípios do governo aberto possam ajudar a reconquistarmos a confiança em nossos governos e sociedades.