Mário Tavares da Silva, Expresso online
A preocupação com a existência de transações seguras coloca então o dedo na ferida, importando nessa medida garantir que neste imersivo mundo metavérsico, as garantias dadas aos seus milhões de utilizadores no quadro, por exemplo, de transações de NFT, sejam tão ou mais robustas do que aquelas de que beneficiam no mundo real
os temas constantes das agendas públicas dos diferentes governos, o metaverso aparece-nos sob a veste de múltiplas e imaginativas visões, quase sempre em sentido metafórico, dada a fluidez e a incerteza que marca este novo e complexo desafio para os decisores públicos e privados e, naturalmente, para o dia-a-dia dos próprios cidadãos, sobre os quais irá impactar este novo mundo que agora se começa a revelar.
O que é então afinal o metaverso? Como se irá desenvolver? E o que podemos nós esperar do metaverso, dada a rápida e imparável evolução tecnológica que ao mesmo se associa?
Impacto na vida de todos nós e necessidade de regulamentação são apenas dois aspetos que certamente o metaverso irá implicar na preparação das futuras agendas políticas, um pouco por todo o mundo. Neste particular, é importante, dada a imprevisibilidade da própria tecnologia que a ele se associa, que os Estados possam fazer o caminho juntos, partilhando conhecimento e dificuldades, sobretudo sendo capazes de endereçar uma adequada regulamentação suficientemente indutora de confiança na sociedade e nos cidadãos quanto às novas e incontáveis possibilidades que o metaverso carrega consigo.
Metaverso traduz a combinação do prefixo "meta" (que implica o que transcende) com a palavra "universo", correspondendo a um ambiente virtual, imersivo e coletivo, ligado em paralelo ao mundo físico e através do qual os utilizadores interagem por avatares digitais. Apesar de cunhado inicialmente em 1992 por Neal Stephenson no seu livro de ficção científica “Snow Crash”, a verdade é que volvidos que estão praticamente quase 30 anos, não existe ainda um claro consenso sobre o que verdadeiramente se pode incluir no conceito de metaverso.
Será, se quisermos, uma espécie de interação do utilizador com um mundo virtual único e universal, capaz de o envolver numa experiência integrada, de tal forma imersiva e real que o faz vivenciar um autêntico mundo alternativo, digitalmente mimético e em tudo próximo do mundo físico.
Nesse complexo processo, o mundo físico e o mundo virtual como que se confundem, mesclam-se e tornam-se numa única realidade, de natureza virtual e aumentada.
São estas extraordinárias visões sobre o que possa ser esse novo mundo, partilhado, imersivo e virtual que trazem a promessa de experiências livres da trivial fisicalidade que carateriza a nossa vida quotidiana e os nossos mais elementares hábitos de vida.
No quadro desta nova e promissora tecnologia metaversa, há sobretudo espaço para as aplicações de jogos, para o modo como trabalhamos, visando neste caso potenciais incrementos na própria produtividade, para o comércio eletrónico ou mesmo para a gestão diária em ambiente familiar, incluindo o modo como no futuro os cuidados de saúde passarão a ser prestados.
Podemos então, numa visão mais holística do metaverso (como se ele já não fosse em si o todo), pensar num ecossistema de interoperabilidades permanentes e multidimensionais, capaz de permitir a todos os seus utilizadores fazer coisas tão simples como transportar livros, roupas ou automóveis de uma plataforma para outra, de um avatar para outro. Será então possível ao utilizador viajar de uma plataforma para outra, teletransportando-se tal como é, com todas as suas caraterísticas, idiossincrasias e pertences.
Um outro elemento importante é o que se relaciona com os denominados "gémeos digitais", capazes de fornecerem um modelo de entidades offline que digitalmente os representa com elevado e acurado grau de precisão.
Veja-se o que sucede em Seul, cidade que já fornece grande parte dos seus serviços públicos através do metaverso. Em Tóquio, por exemplo, com recurso a um avatar, podemos atualmente encontrar diversos cafés, em que cidadãos com limitação física podem dirigir os seus pedidos a empregados robotizados. É, pois, inegável o crescente potencial que encerra o mercado do metaverso, estimando-se, na utilização da realidade virtual e realidade aumentada, valores aproximados de 4 mil milhões de euros, um número que, note-se, se prevê possa crescer até a uns impressionantes 36 mil milhões de euros.
Como em tudo o que não conhecemos de forma segura e completa, o metaverso traz também novos riscos decorrentes das múltiplas oportunidades que abre às imaginativas mentes criminosas.
Uma dessas preocupações ocorre, desde logo, no plano da governação financeira dos Estados, sobretudo pelas dificuldades que as tarefas de prevenção, deteção e correção de situações associadas ao branqueamento de capitais irão enfrentar nesse ecossistema metavérsico.
Neste particular, é vital compreender desde já que o dinheiro e o valor podem assumir diferentes vestes no metaverso.
Por exemplo, as NFT (non-fungible token) ou token não fungíveis são, como sabemos, ativos criados a partir da tecnologia blockchain e que serve como identidade digital de um item, assegurando a sua autenticidade e unicidade. Ou seja, o ativo garante a posse de um bem exclusivo que mais nenhuma outra pessoa detém. Os NFT permitem, de uma forma muito simplista, a prova quanto à propriedade de bens digitais, podendo ser transacionados no metaverso com recurso a uma plêiade variada de moedas criptográficas dependendo estas, em larga medida, das plataformas envolvidas.
É assim expetável, neste quadro transacional, que a moeda fiduciária (fiat money, entendida como qualquer título não convertível, ou seja, não lastreado a qualquer metal, ouro ou prata e não apresentando qualquer valor intrínseco, sendo que o seu valor advém exclusivamente da confiança que as pessoas têm em quem emitiu o título) continue a ser utilizada como um meio preferencial para a economia metaversa.
No metaverso será essencial que os utilizadores possam efetuar pagamentos de forma fácil, expedita e, sobretudo, segura. Igualmente crítica é a criação de condições para que os custos das transferências se mantenham em níveis aceitáveis, uma vez que a maioria das transações será de baixo valor.
A preocupação com a existência de transações seguras coloca então o dedo na ferida, importando nessa medida garantir que neste imersivo mundo metavérsico, as garantias dadas aos seus milhões de utilizadores no quadro, por exemplo, de transações de NFT, sejam tão ou mais robustas do que aquelas de que beneficiam no mundo real.
Num ambiente totalmente preenchido por empresas virtuais, a venda de bens virtuais a avatares vai exigir a movimentação de consideráveis somas de dinheiro virtual, criando múltiplas oportunidades para que essas transferências além-fronteiras possam ocorrer de uma forma mais difícil e complexa de monitorizar e controlar pelas entidades que legalmente detém essa competência.
Nesta medida, a utilização das moedas criptográficas num ambiente transacional metavérsico constitui, incontornavelmente, um instrumento de inegável facilitação da prática de atividades criminosas e, em particular, de branqueamento de capitais.
Os Estados e as agências europeias terão, naturalmente, que saber acompanhar adequadamente o fenómeno metavérsico e as atividades que nele tomam lugar, impedindo, assim, que argumentos de maior simplificação transacional possam, no final do dia, redundar em mais uma cena de crime.