Legalmente, essa antecipação deve ser feita à medida do imposto devido no final. Ou seja, essa antecipação deve ser feita de modo que, no final, não haja qualquer imposto a pagar nem a reembolsar. Atualmente, e desde há muito tempo, com a sofisticação dos meios da administração tributária, existem todas as condições para que as retenções na fonte sejam feitas nessa exata medida.
Acontece, porém, que as tabelas de retenção na fonte do IRS são feitas pelo Governo com taxas de retenção muito acima do seu justo valor, para com isso aumentar artificialmente as receitas fiscais, financiar-se e compor os dados do défice do Estado. Essa operação de engenheira financeira é, pois, feita premeditadamente e com consciência plena de que é ilegítima e abusiva; no entanto, serve na perfeição os propósitos do governo: financiamento sem juros, saldo orçamental melhorado e, no momento do reembolso, propaganda sobre (in)eficiência da administração tributária.
Tal foi até reconhecido pelo Governo, quando anunciou que iria diminuir as taxas de retenção e, com isso, aumentar o rendimento mensal disponível para os trabalhadores dependentes e pensionistas. Contudo, sabemos agora, tratou-se apenas de mais um expectável anúncio sem qualquer concretização. Efetivamente, como se pode ver na execução orçamental, o valor dos reembolsos do IRS manteve-se em 2021 no nível de 2.8 mil milhões de euros.
O Estado está, pois, ilegitimamente a antecipar receitas e a financiar-se à custa dos portugueses, de forma unilateral e coerciva, a taxas de juro de zero. Significa também que, tendo sido a receita do IRS de 13.5 mil milhões de euros em 2021 e os reembolsos de 2.8 mil milhões, o Estado está a descontar no IRS dos salários e das pensões mais 21% do que devia e do que a lei lhe permite.
Se essa prática não é legítima nem própria de um Estado de Direito, ela é inaceitável e insustentável no contexto atual, com subida expressiva da generalidade dos preços, aumentos salariais marginais e, consequentemente, de forte perda do poder de compra.
Perante a forte aceleração da taxa de inflação e das taxas de juro, esses 2.8 mil milhões de euros que o Estado cobra indevidamente em excesso deveriam ser imediatamente devolvidos aos trabalhadores e aos pensionistas. Só por si, tal aumentaria de forma significativa o rendimento mensal disponível das famílias para o nível justo que lhes pertence.
Ora, exigindo que o Governo devolva aos portugueses o dinheiro que lhes pertence e de que o Estado se apropriar indevidamente, não se trata de reclamar qualquer ato de generosidade do Governo.
É, pois, premente acabar com esta grave injustiça e com a propaganda injustificada da aparente generosidade do Governo de pagar reembolsos em 12 dias ou do sucesso da entrega das declarações do IRS, quando, na verdade, está a devolver o que não lhe pertence, o que cobrou indevidamente e com um atraso médio de 9 meses.
Em suma, se esta conduta contra os rendimentos do trabalho é por regra desonesta, no contexto atual é efetivamente torpe e faz parte de uma tendência recente de penalização do rendimento do trabalho. Em paralelo com o relatado, não há dúvidas que, em Portugal, nos últimos anos, se tem assistido à maior deterioração da parte dos salários no rendimento (e.g., Organização Mundial do Trabalho), à divergência com a evolução dos salários no contexto europeu e ao aumento da desigualdade salarial entre trabalhadores (com base em dados do Eurostat).