António João Maia, Expresso online
O valor liberdade voltará a ficar mais condicionado, desde logo pelo reforço dos investimentos públicos em programas da componente defesa nacional
Neste espaço de partilha de opinião do Observatório de Economia e Gestão de Fraude é naturalmente suposto abordar de algum modo o tópico da fraude. E de facto é isso que tem sucedido desde que esta colaboração teve início.
Hoje procurarei naturalmente que não seja diferente, mas admito que a abordagem que proponho fazer tenha um âmbito um pouco mais alargado.
Proponho uma abordagem sobre a guerra – porque é uma realidade incontornável, cujos horrores nos têm marcado de modo profundamente impactante com as notícias e as imagens da invasão russa sobre a Ucrânia. Sobre a liberdade – porque é um valor que sabemos e sentimos ser fundamental no contexto da vivência social, e que celebramos em Portugal desde há 48 anos de modo muito particular a cada dia 25 de abril, como sucedeu há dois dias –, que o contexto da guerra está a violentar de forma muito grave. E sobre o futuro – na medida em que, quase de repente, nos vimos confrontados com desafios inimagináveis até há poucas semanas, precisamente porque o risco de novas guerras se tornou mais provável, e porque elas, as guerras, correspondem sempre a contextos que fazem perigar os valores da ética e os mais fundamentais direitos humanos, como sejam a vida, a liberdade, a igualdade e tantos outros tão importantes para enquadrar e regularizar as relações quotidianas entre os humanos.
A guerra e toda a barbaridade que a caracteriza é provavelmente a pior das circunstâncias em que o ser humano se pode ver mergulhado. Se facilmente se imaginava essa circunstância, sentir a sua presença, como tem sucedido – e nós nem a sentimos diretamente na pele, como sucede com os pobres dos ucranianos – é particularmente duro e indescritível. Creio que ainda não foram criados conceitos nem terminologia capazes de descrever os estados de alma que as guerra podem provocar em cada ser que as vive e ou que as testemunha, como procurámos ver recentemente em realidade triste - vidas suspensas e apagadas, as crianças russas e as circunstâncias de uma guerra e vergonha de ser humano.
As guerras traduzem invariavelmente a imposição pela força de uma determinada vontade, legitima ou ilegítima, de alguém com poder relativamente a terceiros indefesos ou com um poder mais reduzido. Apesar do poder ou da vontade que conduza à guerra poderem ser legítimos, como acabou de se referir, qualquer que seja a solução belicista que seja adotada por esse poder ou vontade será sempre – sempre! – uma solução negativa, absurda e estupida.
A guerra, a agressão, representa a humilhação maior que um ser humano pode infligir sobre outro e, ao mesmo tempo, sobre si próprio. Ao humilhar o outro, o agressor está também necessária e verdadeiramente a humilhar-se a si próprio. Por isso a guerra é e será sempre uma estupidez!
No exemplo dos nossos dias, a guerra foi criada e está a ser imposta por uma liderança política, aliada às elites dos interesses económicos, sobre um país vizinho, ao que se sabe, por se considerar que as opções democráticas adotadas por esse povo vizinho não são as melhores para os destinos desse mesmo povo. Como base neste argumento, no mínimo estranho, sobretudo se considerado no contexto do pensamento económico e político predominante no Século XXI, tem-se justificado e fundamentado a necessidade da invasão e a destruição de toda uma sociedade e das suas estruturas, ceifam-se a frio vidas de cidadãos anónimos indefesos, incluindo de crianças, tudo num quadro de violação grave e muito grosseira do direito à liberdade dos povos e ao seu legítimo poder de escolher o que consideram ser o melhor para o seu próprio futuro. Na realidade e forma hipócrita violam-se princípios e valores sagrados do ser humano precisamente em nome da sua defesa. Que coisa estranha…
Ou então, o que não será de todo improvável, os detentores do poder estão mergulhados numa espécie de estado de cegueira moral ou de pura loucura…
E, claro, independentemente das razões explicativas da guerra, toda esta circunstância não poderia deixar de ter impactos sobre o mundo. Sobretudo sobre o futuro das relações entre países e entre blocos de interesses. Há quem se refira à queda da Rússia e ao bloco de países por si liderado. Há aqueles que argumentam que a China tomará o lugar de liderança até agora atribuído à Rússia. Há ainda os que consideram que a Rússia, a China e a Índia vão acabar por se unir e criar as condições para um novo contexto de guerra fria entre este novo alinhamento de Leste e o Bloco do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos da América e pela NATO.
Independentemente dos alinhamentos que venham a surgir na geopolítica, uma evidência parece ser unanime estre os especialistas nestas questões. O valor liberdade voltará a ficar mais condicionado, desde logo pelo reforço dos investimentos públicos em programas da componente defesa nacional. Regressaremos ao rearmamento das nações, para gáudio dos fabricantes e vendedores de armas, e também, porque não dizê-lo, daqueles que se envolvem e beneficiam dos esquemas fraudulentos e de corrupção que tendem a associar-se a estes grandes negócios de Estado.
Confesso que apesar de perceber o argumento – aumentar o poder de defesa para fazer face ao risco de se poder ser vítima da invasão por um Estado vizinho –, esta reação não deixa de revelar alguns sinais de incoerência e até incongruência (hipocrisia?). A resposta ao receio da guerra é precisamente a corrida ao armamento. Quando o mais óbvio seria o desarmamento de todos, a reação acaba por ser precisamente contrária… – se queres paz, prepara-te para guerra!
Neste cenário, seria igualmente de grande importância que os Estados reforçassem o investimento em políticas públicas promotoras da educação e da formação para a cidadania e para a democracia. Para mais e melhor integridade. Para o fortalecimento do respeito pelas pessoas e pelas instituições. Pela existência de cidadãos com uma voz ativa, envolvida e exigente com as lideranças políticas dos seus Estados.