Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Os economistas Daron Acemoglu e James Robinson, autores do já best-seller Why Nations Fail, vieram propor-nos mais uma notável obra: The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty. Nesta obra, que faz todo o sentido ser lida no contexto atual da Guerra unilateralmente imposta pela Rússia de Putin à Ucrânia, os autores explicam como, em alguns Estados, a liberdade floresce e é próspera, apesar de ameaças, e como se observa autoritarismo ou anarquia noutros. O cerne da questão passa por compreender porque existem Estados democráticos liberais, como acontece no denominado mundo ocidental, entre as alternativas de autoritarismo e de ilegalidade.
Em Why Nations Fail, explicam-nos que os países prosperam ou falham não devido à cultura, à geografia ou ao acaso, mas devido ao poder das suas instituições. Nesse livro, os autores identificaram as "instituições inclusivas" como o principal motor do progresso económico e político. Nesta situação, os direitos de propriedade e o Estado de direito estão assegurados, são acessíveis a todos os cidadãos (ou à grande maioria) e não há favorecimento de um grupo restrito (a elite) sobre o resto da sociedade.
No novo livro constroem uma nova teoria sobre a liberdade e as fontes de liberdade. A liberdade dificilmente é a ordem "natural" das coisas. Infelizmente, na maioria dos lugares e na maioria das vezes, os fortes dominam os fracos e a liberdade humana é anulada pela força ou pelos costumes e normas. Portanto, na maioria das vezes os Estados são fracos para proteger os indivíduos contra essas ameaças ou, como parece ser o caso da Rússia, são demasiado fortes e estabelece-se uma hierarquia difícil de mudar.
Construir um Estado fraco em relação à sociedade originará anarquia. Dar demasiada vantagem ao Estado, caso Russo, sobre a sociedade levará ao despotismo. A liberdade surge então quando um determinado equilíbrio entre o Estado e a sociedade é alcançado. Neste caso, as pessoas estarão livres de violência, de intimidação e de outros atos humilhantes, e devem ser capazes de fazer escolhas livres sobre as suas vidas e de ter os meios para as realizar sem a ameaça de punições irracionais ou sanções sociais. Exige-se, pois, uma luta contínua para defender instituições políticas abertas e inclusivas. O caminho para a liberdade é estreito e permanece periclitante por via de uma luta fundamental e incessante entre Estado e sociedade. Sair desse caminho significa entrar no caminho da ruína em direção ao despotismo ou à anarquia.
Os autores examinaram a panóplia de casos que a história oferece para mostrar como os países podem afastar-se do caminho para a liberdade. Observam que, atualmente, precisamos mais do que nunca de liberdade e que, no entanto, o corredor para a liberdade se tem tornando cada vez mais estreito e traiçoeiro. O perigo no horizonte não é "apenas" a perda da liberdade política, mas também a desintegração da prosperidade e da segurança que dependem criticamente da liberdade.
Sendo tão restrito, pergunta-se como foi possível ao mundo ocidental atingir o caminho estreito ou, dito de outro modo, como foi possível emergirem Estados democráticos com liberdade pessoal substancial, com Estado de direito, e com proteção de minorias? Ao longo dos anos, muitas teorias importantes enfatizaram um fator específico ou outro, incluindo a cultura, o clima, a geografia, a tecnologia ou as circunstâncias socioeconómicas, como o desenvolvimento de uma classe média robusta. Ora, os autores têm uma visão diferente: a liberdade política vem da luta social. Não temos um modelo universal para a liberdade. Não há condições que necessariamente a originem e nenhuma progressão histórica que inevitavelmente conduza à liberdade. A liberdade não é projetada e não há garantia de que permaneça intacta, mesmo quando consagrada na lei. O conflito entre Estado e sociedade, onde o Estado é representado por instituições, cria o tal corredor estreito em que a liberdade floresce.
Existem vários destinos para os quais os países podem dirigir-se, não há nada efémero num Estado despótico ou num Estado fraco, e não há um processo inevitável que leve todos os países na direção de um tipo de liberdade. Consequentemente, as instituições estatais têm de evoluir continuamente à medida que a natureza dos conflitos e as necessidades da sociedade mudam. Assim, a capacidade da sociedade para manter o Estado e os governantes responsáveis deve intensificar-se em conjunto com as capacidades do Estado. Essa luta entre Estado e sociedade auto reforça-se, conduzindo a que ambos desenvolvam uma gama mais rica de capacidades para seguir em frente ao longo do corredor estreito.
Contudo, essa luta baseia-se num equilíbrio frágil entre Estado e sociedade, entre elites (económicas, políticas e sociais) e cidadãos, e entre instituições e normas. Se um lado da balança fica muito forte, então, como sempre aconteceu na história, a liberdade começa a diminuir. A liberdade depende, pois, da mobilização vigilante da sociedade. Mas, também precisa que as instituições estatais se reinventem continuamente a fim de enfrentar novos desafios económicos e sociais.
Veja-se o caso da Rússia. O monopólio do poder político do senhor Putin, a corrupção desenfreada do país e a facilidade com que os concorrentes económicos e oponentes políticos do partido podem ser despojados dificilmente "cheira" a instituições inclusivas. No entanto, parece ser inegável que, apesar de tudo, nas últimas duas décadas, o regime apresentou melhoria dos resultados económicos.
À luz do The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty podemos considerar a Rússia como um país onde um Estado forte domina a sociedade há imenso tempo. Ora, tendo passado tanto tempo "fora do corredor" é improvável que a Rússia possa fazer uma entrada tranquila no corredor estreito da liberdade. Acresce que, com a Guerra ilegal, injustificada e inaceitável, em curso, o desempenho económico perderá força, a menos que instituições políticas extrativas cedam lugar a instituições inclusivas, o que é altamente improvável.
Assim, a menos que algo improvável surja, a Rússia deverá continuar a caminhar por fora do tal corredor estreito onde a liberdade floresce e é próspera. Se é certo que, mesmo para os países que prosseguem no corredor estreito da liberdade, os custos económicos da atual Guerra são muito significativos, também é verdade que tais custos são insignificantes face aos custos imateriais associados e ao custo de deixar sem resposta a invasão ilegal e não provocada.