Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
A discussão da regionalização é recorrente na política portuguesa. As questões centrais são: porque se deve regionalizar? Como deve ser feita a regionalização? No essencial, relativamente à primeira questão, os defensores asseguram que só assim as políticas públicas se adequam aos territórios e se maximiza a coesão territorial. No que toca à segunda questão, discute-se, basicamente, as cinco regiões atuais.
Mas, porque faz sentido regionalizar e como deve ser feita então a regionalização?
Fazendo um ponto de situação atual, podemos começar por dizer que, em termos muito simplistas, o Estado é a instituição à qual a sociedade confia os valores coletivos mais importantes; em particular, os valores históricos, culturais, económicos, sociais, e outros valores que, em conjunto, correspondem à nossa referência matricial de identificação grupal. Trata-se, pois, de uma instituição com natureza suprema que, controlando e administrando a nação deverá assegurar a maximização do bem-estar social da nação, e assume uma função e uma responsabilidade social que é, ao mesmo tempo, passiva e ativa. É passiva na medida em que é guardiã suprema dos valores referenciais que nos caracterizam, e é ativa porque é responsável pela concretização desses mesmos valores na vida quotidiana de cada um de nós e da sociedade.
Para cumprir a sua missão, o Estado possui então uma estrutura operativa, suportada pelo esforço coletivo, através do pagamento de impostos, e que deveria atender igualmente a todos no cômputo do território do Estado-nação. Em função do interesse comum, essa estrutura é, pois, responsável pelo exercício das tarefas - a nível político e também a nível administrativo - necessárias à concretização da maximização da satisfação do bem-estar grupal.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) refere no nº 1 do art. 6 que o Estado é unitário e respeita, na sua organização, os princípios da autonomia dos poderes locais e da descentralização democrática da administração pública. A administração pública comporta todas as entidades legalmente destinadas à administração do Estado, ao nível central - direta ou indiretamente - e ao nível local. Refira-se que Portugal é o único país da Europa ocidental onde a estrutura operativa só apresenta dois níveis de governo, o central e o local, com exceção dos casos de Açores e Madeira.
O setor público administrativo central direto visa a satisfação das necessidades coletivas e tem como principal agente executivo o governo (art.º 182 da CRP), mas abarca ainda subdivisões administrativas. Quanto às competências administrativas do governo, estão definidas no art.º 199 da CRP. O setor público administrativo central indireto ocupa-se essencialmente de atividades administrativas do Estado realizadas na continuidade dos objetivos estatais, por entidades públicas - institutos públicos, fundações públicas e entidades públicas empresariais - dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e financeira. A sua justificação decorre do interesse do Estado em desconcentrar funções para incrementar a eficiência e a eficácia dos processos de decisão administrativa e/ou de modo a "contornar" as regras rígidas da contabilidade pública, sem, no entanto, perder uma razoável capacidade de controlo das funções em causa.
No que toca a descentralização administrativa, o país organiza-se em administração local e regional. Constituem a primeira as autarquias locais (art.º 236 da CRP), que se subdividem em municípios e freguesias, e a segunda as regiões administrativas, cujo processo está concluído apenas nas regiões autónomas dos Açores e Madeira. De acordo com o nº 2 do art.º 235 da CRP, as autarquias locais são estabelecidas pela organização democrática do Estado, possuem órgãos próprios e exercem funções em prol das populações. Além da autonomia administrativa, possuem autonomia financeira, refletida na capacidade de obter crédito, de gerir património, de elaborar e executar o seu orçamento e de efetuar e receber pagamentos (art.º 238 da CRP). Há, ainda, entidades associadas e/ou participadas pelos municípios que foram consideradas como mais adequadas para a prossecução das suas atribuições e do interesse público. Destacam-se as associações de municípios de fins múltiplos ou específicos (Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto) e ainda as áreas metropolitanas (Lei n.º 46/2008, de 27 de agosto).
Além disso, o setor público administrativo central possui várias direções regionais dos ministérios com distintas zonas de intervenção, a que acrescem também as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) no território continental. Existem ainda as unidades territoriais NUTS I, II e III, que abrangem todo o país, mas que possuem essencialmente apenas significado estatístico. Por fim, embora a CRP estabeleça a divisão administrativa em regiões administrativas no continente, subsiste a divisão geográfica distrital em dezoito distritos, que, basicamente, servem de divisões para utilizações administrativas tão díspares como, por exemplo, a definição dos círculos eleitorais para a Assembleia da República ou a organização de campeonatos desportivos regionais. A complexidade de divisões, com órgãos não eleitos, comporta áreas de intervenção que muitas vezes se sobrepõem - é uma verdadeira confusão!
O cenário existente apresenta-se, pois, muito pouco razoável ou harmonizado, quer ao nível das estruturas organizativas, quer das características territoriais adotadas, pelo que, sem surpresa, a dinâmica atual vai acelerando a indesejada desigualdade social e territorial. Ou seja, a atual desorganização da estrutura operativa do Estado está longe de maximizar o bem-estar grupal e, por isso, distancia-se da maximização do interesse comum.
Por um lado, a desorganização da estrutura operativa do Estado gera ineficácia e ineficiência da capacidade do Estado para assegurar a sua missão, e facilita muito a prática de atos corruptos por parte de servidores da ação do Estado. Representa também uma inevitável quebra de confiança no governo do Estado e nos índices de integridade, e de capacidade dos servidores públicos para o cabal e expectável exercício das suas funções, tendo em vista a promoção da coesão social.
Por outro lado, a desorganização da estrutura operativa do Estado impede ainda a coesão territorial. As regiões prósperas requerem um território com os seus recursos, uma comunidade com os seus anseios, cultura e talentos, e regras/instituições adequadas que ligam o espaço e a comunidade. Ora, a desorganização existente produziu um país excessivamente centralizado a todos os níveis e, em particular, a nível político, de modo que a independência de poderes é mínima, penalizando fortemente a coesão territorial.
No interior, por exemplo, as populações são tratadas como entes abstratos, quase não ouvidas, até porque não têm nenhum poder relevante. No contexto, há "deficit" de humanismo para com essas populações a quem quase tudo é sonegado, quando a comunidade deveria estar no centro de tudo. Apesar dos recursos extraordinários, que são suficientes para ser um território desenvolvido - tem cultura, raças autóctones, água, terra, condições favoráveis para a produção de energia hidroelétrica, história, castelos, paisagem e um enquadramento ambiental único - o interior é um espaço empobrecido, objeto de uma desertificação humana que continua galopante, e de um verdadeiro colapso a nível económico fruto de uma depressão prolongada.
O responsável pelos constrangimentos que afetam a desigualdade social e territorial é a desorganização da estrutura operativa do Estado e a eliminação de tais constrangimentos não tem que ter sequer custos para o erário público.
Se, como se espera, a organização em regiões for "limpa" de sobreposições, com poder descentralizado e mais próximo das populações, profissionalização da administração pública e imparcialidade nas relações com a sociedade, então pode criar as condições para inverter a situação crítica a que se chegou. Se assim for, finalmente o mérito será premiado, o número de cargos de confiança política será limitado, a transparência será promovida, a corrupção será minimizada, os recursos serão mais justamente repartidos pelas regiões, as políticas serão mais adequadas às especificidades de cada território, e será evitado que a centralização atual dê lugar à centralização nas capitais regionais.
Regionalizar desse modo significará levantar as amarras e bloqueios que o Estado mantém sobre o desenvolvimento social e territorial harmonioso, representará a promoção do desenvolvimento sem mais despesa pública ou recursos, e o progresso de uma região não será feito à custa de outras. Regionalizar desse modo implicará uma divisão territorial entre norte e sul, mas que atenda igualmente à divisão entre litoral e interior. Em termos geográficos, a atual desorganização da estrutura operativa do Estado conduziu a uma distribuição da atividade económica, social e cultural demasiado assimétrica entre o litoral jovem, urbano, povoado, dinâmico e ativo, e o interior envelhecido, rural, desertificado, estagnado, deprimido e associado a uma milenar vida de miséria. Até agora, aos Transmontanos, Beirões, Alentejanos e parte dos Minhotos restava a emigração; esperemos que a regionalização ocorra como deve ser e termine com essa fatalidade.