Jorge Fonseca de Almeida, Dinheiro Vivo

A decisão de permitir o acesso de todos os infetados e possíveis infetados em isolamento profilático às mesas eleitorais em simultâneo com os restantes eleitores veio criar um clima de preocupação com a segurança da participação no ato eleitoral.

Devo confessar que pessoalmente, sendo pessoa de risco, pondero seriamente abster-me nestas eleições porque não sinto a garantia que atrás de mim, à minha frente, sem máscara e sem respeitar as distâncias não se encontre um infetado que devia, para bem de todos, estar isolado. Devo dizer que vou aconselhar familiares mais velhos, grupo etário em que o Covid é uma doença séria e mortal, a não ir votar e a não sair de casa nesse dia.

É certo que os que estão em isolamento têm direito a votar. Mas devem fazê-lo de forma a não pôr em risco os restantes. A recolha domiciliária dos votos é uma excelente opção. Outra opção seria a de ter locais especiais para esses eleitores e ter organizado um serviço de transporte especial para eles. O governo não fez isso. Uma decisão que envia um fluxo gigantesco, alguns falam em mais de meio milhão de pessoas, de infetados e possíveis infetados para junto de grandes aglomerados de pessoas. Será possível imaginar forma mais eficaz de propagar a doença?

Recomenda-se aos que estão em isolamento profilático que votem ao fim do dia. Naturalmente muitos não cumprirão a recomendação. Por outro lado não podemos distinguir na rua no trajeto para os locais de voto, na fila para votar, ou em qualquer outro lado os infetados. São transmissores anónimos. Bombas ambulantes. Por isso devem estar em isolamento. Caso contrário o isolamento não se justificaria.

Não é por se usar e abusar da palavra "segurança" que ela aumenta ou aparece magicamente. Não é por a DGS me "garantir" que posso votar em "segurança" se levar máscara e os outros mantiverem as distâncias. Eu sei que em eleições é impossível manter as distâncias, sei também que mal saia das instalações pode estar um infetado sem máscara e que este se pode dirigir para perto de mim. Apesar das "garantias" o bom senso diz-me que não estarei seguro.

Entrámos num surrealismo extremo, que nem no tempo do fascismo existiu, de as palavras significarem o seu contrário, como na célebre distopia intitulada 1984. Assim "segurança" passa a significar insegurança.

A verdade é que as eleições se tornaram inseguras. Cada um deve pesar o risco de ser infetado contra o direito cívico que quer exercer. Não devia ser necessário fazer esta escolha.

Este clima favorece obviamente os partidos com eleitores mais jovens em que o risco de morrer é menor e prejudica os que têm eleitores mais velhos. A CDU sairá prejudicada e com o PAN beneficiado. A abstenção será, como sempre, elevada.

O Ómicron não é uma versão leve do Covid. Esse mito tem vindo a ser desfeito pela Organização Mundial de Saúde. O Ómicron está a gerar a segunda maior onda de mortes com esta doença desde que o Covid surgiu em 2019. Mais mortes dos que os provocados pela temível variante delta.

O facto de morrerem menos pessoas que há um ano, não significa que morram poucas, mas apenas que morreram até agora um número inferior de pessoas. Menos e pouco não são sinónimos. Quando um clube ganha por 7-0 depois de ganhar por 10-0 ganhou por menos, mas continuou a ganhar por muitos, continuou a golear o adversário. Tivemos no dia 18 de Janeiro 46 mortes. Não são poucas, pelo contrário, são muitas.

A decisão do Governo é errada, levanta questões constitucionais sérias, e deve ser alterada. Nem que as eleições tenham de ser adiadas.