António Dias, OBEGEF

Os eleitos gozam a sua vitória, os derrotados seguem com a sua vida… e já ninguém quer saber. Educação para a Cidadania, precisa-se! É urgente!

É verdade, ainda não passou um mês e parece que as eleições autárquicas já são um passado longínquo. Mas permitam-me uma reflexão. Prometo que não vou interpretar resultados, comentar as surpresas da noite ou antecipar consequências. Vou tratar um tema de que muito se fala na altura das eleições, mas que ninguém se preocupa em tentar resolver… se é que existe solução.

A Alice, em alegre passeio pelo País das Maravilhas, observou milhares de cartazes com milhares de rostos candidatos aos diversos órgãos autárquicos. Vejamos, cerca de 12.370 listas repletas de candidatos e suplentes, representantes dos mais diversos partidos políticos, coligações das mais variadas composições e até mesmo grupos de cidadãos eleitores. Não faltou escolha.

Ainda que não saiba o número exato de cidadãos disponíveis para participar na gestão autárquica, se admitirmos que cada uma destas listas apresenta 20 membros, temos um total de 247.400 pessoas diretamente envolvidas no processo eleitoral. É muita gente, não parece que exista aqui alguma timidez, antes pelo contrário, não faltou escolha!

Naturalmente que se espera que sejam personalidades devidamente escolhidas, socialmente reconhecidas, supostamente capazes de influenciar a seu favor o resultado eleitoral, motivadas não só pelo desejo pessoal de vitória, mas também pela “mui nobre” causa pública que se propõem defender.

Sim, a Alice está maravilhada por este sistema de organização social a que chamam democracia e que permite liberdade de expressão e a participação de todos, mesmo todos, na escolha das suas lideranças. Um dia contarei à Rainha de Copas – pensou.

Os candidatos, pessoas tendencialmente dinâmicas e socialmente envolvidas, têm certamente as qualidades necessárias para envolver no processo a sua rede de contactos, sobretudo por se tratar do ato eleitoral em que se verifica uma maior proximidade com as populações e com os eleitores.

Se admitirmos, que cada um dos envolvidos chama ao processo 35 outras pessoas, o que seguramente não é um número exagerado (por exemplo, 10 familiares e 25 amigos, colegas ou conhecidos), obtemos um total 8.659.000 pessoas indiretamente envolvidas no processo eleitoral. Assim, neste exercício de efeito multiplicador, os envolvidos, diretos e indiretos, ultrapassam os 8.900.000 cidadãos.

Voltemos à realidade dos números para recordar que nestas eleições o número de eleitores inscritos foi de 9.323.688 e o de votantes 5.002.047. Uma taxa de abstenção de 46,35%. Começa aqui a timidez da nossa cidadania, acertemos o número para facilitar, num universo de 9.300.000, votaram cerca de 5.000.000 de cidadãos.

Assaltam dúvidas, incertezas, a inocente Alice não consegue compreender.

- Porque não votaram mais pessoas? Considerando os pressupostos, o que aconteceu para faltarem 3.900.000 eleitores? Cada um dos candidatos não foi capaz de juntar à sua causa 35 conhecidos? Melhor, não conseguiu convencer 35 pessoas a votar?

Demasiado complicado Alice, a resposta não é fácil, são várias as dimensões do problema e curto o espaço para as abordar. Mas ainda que não seja bem assim, se voltarmos ao exercício matemático que fizemos, também não consigo compreender. Não se trata de eleições presenciais, disputadas em nome individual, ou legislativas em que apesar de se tratar de um grupo de candidatos, em nada se compara com o número de candidatos autárquicos. Não é fácil de entender.

- Estarão as pessoas desligadas da política?

- Sim, Alice isso acontece.

- Ou será que ao longo da vida não tiveram formação sobre cidadania adequada e desvalorizam o seu direito (e dever) cívico?

- Sim Alice, também é isso.

Ou será que não se reconhecem nos candidatos? Estão os políticos descredibilizados?

- Pode ser Alice, as vozes do povo assim o dizem, há mesmo quem diga que “são todos iguais”.

Mas Alice, acrescentando mais umas questões, não somos todos cidadãos para usar as estradas, frequentar as escolas ou hospitais? Não somos todos cidadãos com os mesmos direitos e deveres?

- Sim, julgo que sim - respondeu Alice. Mas pelos vistos, uma parte significativa dos cidadãos não está interessada em decidir quem deve gerir a causa pública.

- Pois é Alice, a abstenção é um assunto difícil que merece a nossa reflexão. Mas nós somos apenas dois cidadãos e não vejo muitos mais a refletir sobre o assunto, muito menos os envolvidos no processo eleitoral. Os eleitos gozam a sua vitória, os derrotados seguem com a sua vida… já ninguém quer saber. Educação para a Cidadania, precisa-se! É urgente.

E sabes que mais Alice… a história vai continua a repetir-se.