Jorge Fonseca de Almeida, OBEGEF

Neste contexto como ficar surpreso com a libertação de Armando Vara. Como não ver uma coerência perfeita, uma harmonia celestial nestas políticas rigorosamente integradas. Como não entender a extraordinária oportunidade dessa decisão judicial.

Depois de diversos governantes anunciarem que já se encontra disponível uma grande parte das centenas de milhões de Euros do PRR e de outros fundos públicos europeus, dando assim o tiro de partida para uma nova fase de gastos públicos abundantes, a notícia da libertação de Armando Vara, que alguns maldosos desconhecedores da Lei criticam, surge como perfeitamente natural e lógica.

Na verdade, é preciso aproveitar os fundos públicos antes que o prazo para a sua utilização termine. Que não fique um tostão por apropriar porque teria de ser devolvido a Bruxelas. Um desperdício inadmissível e antipatriótico. Assim quantos mais forem os que possam reclamar uma parte desses fundos melhor.

Também não é positivo lembrar a governantes e empresários o que pode acontecer em caso de fraude e corrupção. Melhor dar outro exemplo. O da saída precoce e o da libertação antecipada. Recentemente, apesar das mortes persistentes, o Governo ordenou o desconfinamento quase completo. Desconfinar é isso mesmo: libertar as pessoas de constrangimentos desnecessários. Que ninguém fique confinado contra a sua vontade.

Portugal prepara-se para entrar numa competição europeia relativa à aplicação dos fundos públicos. Uma competição séria e feroz. Os países que melhor saibam e consigam aplicar os fundos vão crescer e afirmar-se, os que os desbaratarem em projetos inúteis, em estádios de futebol, em campos de paddle nas freguesias rurais, em centros culturais sem vida, na salvação de bancos americanos, como o NovoBanco, no apoio a empresas como a St Gobain que na primeira oportunidade fecham, vão ficar irremediavelmente para trás.

Este é um momento histórico. Não como quando Ronaldo marca um golo de calcanhar ultrapassando Pelé, mas antes como 1385 ou 1974. Um momento que vai marcar o nosso país nas décadas vindouras.

O desinteresse e alheamento da generalidade dos portugueses é total. Poucos sabem em que projetos decidiu o governo gastar o dinheiro. Poucos sabem que empresas foram selecionadas. Mas sabem que muito pouco ou nada desses imensos milhões chegará aos seus bolsos se ficarem em Portugal. Em contrapartida pressentem que se emigrarem para a Europa Central poderão ser beneficiados pelos fundos europeus. Este sentimento provoca uma enorme desmotivação.

Por outro lado, as leis antifraude e de combate à corrução não foram reforçadas, as polícias e as magistraturas não foram dotadas de mais recursos humanos e materiais, o enriquecimento sem causa continua perfeitamente legal.

Estão, assim, reunidas as condições favoráveis à corrupção. As condições suficientes para que estes fundos públicos sejam desbaratados em obras inúteis, em gastos correntes, e possam acabar em offshores.

Neste contexto como ficar surpreso com a libertação de Armando Vara. Como não ver uma coerência perfeita, uma harmonia celestial nestas políticas rigorosamente integradas. Como não entender a extraordinária oportunidade dessa decisão judicial.