Gabriel Magalhães, Jornal i
"A União Europeia pretende implementar regras comuns que assegurem a proteção de indivíduos que tenham conhecimento de infrações e que as queiram denunciar"
A Fraude, definida genericamente como qualquer ato intencional, deliberado e ilegal, é caracterizada pela desonestidade, dissimulação ou quebra de confiança, com o intuito de obter uma vantagem (para si ou para terceiro) ou privar outrem de algo, sendo transversal a todas as Sociedades e a todas as Épocas e, necessariamente, abrange todas as Organizações e respetivos Stakeholders, de todos os tipos, em todos os sectores e áreas de atuação.
O setor financeiro, em virtude da sua relevância, exposição mediática e impacto sistémico, é um dos alvos mais apetecidos, mas, simultaneamente, um dos mais escrutinados interna e externamente no que se refere ao fenómeno da fraude.
O mais recente estudo da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE) - a principal associação internacional de especialistas em combate e prevenção da fraude – revela-nos, tal como aconteceu em estudos anteriores, que a principal origem da deteção de fraude no setor Financeiro são as denúncias (46% dos casos) e com 3 principais intervenientes: Clientes (52%), Colaboradores (34%) e Fornecedores (9%). O número de fraudes detetadas é ainda maior em organizações onde os Canais de denúncia estão formalmente definidos e em funcionamento (49%) comparativamente a organizações onde não existem políticas e práticas deste âmbito (38%). Este número também é maior nos casos onde a implementação de canais de denúncia é complementada por um programa de formação nesta área (54% versus 42%).
Ainda no que diz respeito a organizações com Canais de denúncia (que representam 82% das organizações que participaram neste estudo), os principais instrumentos utilizados para comunicar eventuais casos de fraude foram os seguintes: E-mail, Carta, Telefone, Formulário web/onlinee Fax.
De referir ainda que, em termos globais, 15% das denúncias foram comunicadas diretamente à auditoria interna das respetivas organizações (independentemente de ser ou não o sponsor do canal de denúncia) o que vem mostrar, uma vez mais, o papel valioso dos auditores internos no seio do Governação das Sociedades.
Recentemente os canais de denúncia ganharam ainda mais importância e exposição mediática em virtude da Diretiva (EU) 2019/1937, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção dos indivíduos que denunciem violações do Direito da União. Esta Diretiva entrou em vigor no dia 16 de dezembro de 2019 e deverá ser transposta para os ordenamentos jurídicos internos dos Estados-Membros até ao dia 17 de dezembro de 2021.
Desde o inicio do período de discussão pública desta Diretiva muito se tem escrito e falado sobre a importância das denúncias de ilícitos no combate à criminalidade, assim como dos limites à valoração da prova obtida por este meio e a necessidade de proteção dos denunciantes. Por reconhecer que as denúncias ajudam na deteção e investigação de fraudes cometidas no seio das organizações, a UE pretende, com esta Diretiva, implementar regras comuns a todos os Estados Membros que assegurem a proteção de indivíduos que, no seu contexto profissional ou privado, consigam, de forma lícita, ter conhecimento de infrações e que, simultaneamente, as queiram denunciar.
Desta forma, as organizações de determinados setores (entre os quais o Financeiro) serão obrigadas, para além do mais, a criar canais internos seguros para apresentação de denúncias e a implementar regras internas que assegurem o completo, eficaz e eficiente tratamento dessas denúncias, conjuntamente com a proteção efetiva dos denunciantes, o que provavelmente irá aumentar ainda mais o peso destes em futuras estatísticas de deteção de fraude da Association of Certified Fraud Examiners.