Pedro Moura, Expresso online (128 16/06/2021)

 

A corrupção das instituições coloca em perigo o sistema democrático, mas talvez já não haja assim tanta gente preocupada com isso

Não há grande segredo aqui: um dos principais ativos de uma sociedade democrática são as suas instituições, nomeadamente a confiança que a população nelas deposita.

Viver em sociedade implica a cedência de uma parte da liberdade e recursos pessoais em favor do todo. Essa cedência é compensada por um nível de proteção e potenciação do indivíduo que só um largo grupo social permite. Este par cedência / proteção é a charneira de um sistema dinâmico, negociado em permanência por todos os atores sociais, e instanciado em cultura, leis e instituições. As instituições são entidades mandatadas pelo povo e seus representantes, cuja principal missão é garantir a saudável manutenção e governo do acordo social, gerindo de forma equilibrada e sustentável os aspetos repressivos e de proteção.

As instituições devem, assim, conduzir-se como entidades exemplares, pessoas de bem, merecedoras de confiança, imparciais na sua ética de pilares de uma sociedade democrática.

Mas as instituições não existem num vazio teórico perfeito. As nossas sociedades democráticas são baseadas na representatividade, por sua vez assente em partidos idealmente emanados da sociedade civil. E se bem que há um quase dever de as instituições seguirem uma praxis de objetividade e imparcialidade na sua atuação, é minha opinião que qualquer sistema tem de ter espaço para a subjetividade e para a flexibilidade, dentro de limites razoáveis. Um sistema demasiado rígido quebra facilmente.

O problema começa quando as instituições começam a ser ocupadas por agentes que seguem mais as suas agendas pessoais ou corporativas, imprimindo à atividade (ou inatividade) das instituições um cunho notoriamente parcial, desviado da ética republicana que devia servir de mantra permanente.

O ocupar sistemático e sistémico das várias instituições por boys e girls de partidos e outras agremiações corporativas é um péssimo sinal. A usurpação dos meios e recursos públicos das instituições por corporações e partidos, às mãos de gente que não vê mal nenhum em se ‘safar’ a si e aos seus - pois toda a gente o faz - é um cancro que faz da corrupção e da fraude uma prática perfeitamente bananal (apeteceu-me o neologismo).

Eximir-me-ei a enunciar aqui a chusma de casos mais recentes ou mais históricos desta perversão contínua e permitida de apossamento e desvirtuar das instituições.

A confiança da população nas instituições declina consistentemente. E se antes havia tanta virgem ofendida com este facto, de tanto se estranhar parece que já se entranhou, afinal que interessa realmente a confiança do povo nas instituições?

Basta olhar para as projeções de voto e perceber que o povo já não tuge nem muge, tanto lhe dá. E o regabofe perpetua-se e aumenta, criando uma situação da qual vai ser cada vez mais difícil sair.

À falta de vergonha na cara por parte de quem faz o seu exercício rotineiro e normal a ocupação progressiva do panorama institucional e o desbaratar de capital económico, humano e de confiança, vão-se alimentando os jornais e a televisão com peças como esta, e as conversas de café com mais uns palavrões bem metidos antes do inevitável ‘são todos iguais’. Quem não quer ser ‘igual’ não lhe vista a pele.

A corrupção das instituições coloca em perigo o sistema democrático. Mas talvez já não haja assim tanta gente preocupada com isto.