Carlos Pimenta, Expresso online (127 09/06/2021)
Como evitar e combater a corrupção no Estado? Será a transparência uma solução? O que pretendemos designar por tal?
Conversemos sobre a corrupção no aparelho do Estado.
Exemplos de corrupção no aparelho do Estado
A corrupção verifica-se quando alguém procura por qualquer forma obter vantagens excepcionais e indevidas pelo exercício do seu cargo no aparelho do Estado, habitualmente recebendo uma remuneração adicional. Estamos a falar de tal quando um elemento do Estado recebe um montante em dinheiro para autorizar a construção de um edifício contrário ao que está no plano de pormenor daquela região; quando se levou o Governo a assumir uma determinada decisão para receber um determinado montante de um banco ou banqueiro; quando uma empresa recebeu antecipadamente o caderno de encargos de um concurso público ou pagando a quem vai decidir sobre o referido concurso. Também estamos perante uma corrupção no Estado quando, por exemplo, um juiz ganha popularidade assumindo determinadas decisões incorrectas em julgamentos, «queridas» por certo público para poder integrar um Governo, para concorrer eleitoralmente a um determinado cargo público. Ainda estamos perante corrupção no Estado quando alguém oferece uma galinha, e esta é aceite, a um funcionário do Estado para aumentar a rapidez de uma decisão do Estado.
As corrupções no Estado são fraudes
Em todas situações apresentadas como meros exemplos, estamos perante uma fraude porque há entidades enganadas (construtores, populações e habitantes, quem emite uma decisão governamental contrária, muitos dos que responderam a um caderno de encargos, etc.) muitas vezes sem o saber. Corresponde a um logro, e viola a ética e a lei. A lei porque vai contra o estabelecido e eticamente, pelo menos pela razão anterior, porque se trata de uma decisão considerada pela sociedade incorrecta. A violação da ética pode estar presente mesmo quando é quase impossível provar a violação da lei ꟷ ex: quando em privado um amigo (empresário) diz a outro (com capacidade política de decisão) qualquer coisa como «sabes que nunca esqueço quem me faz um favor», acompanhado de um pedido qualquer e quando o «pagamento» é feito muito tempo mais tarde, com uma qualquer justificação.
Fraudes que envolvem situações que podem ser muito diversas (políticos ou funcionários; poder local, nacional ou internacional; dinheiro ou poder; montantes definidos ou não; conhecidos hoje ou só no futuro, a coberto de alguma legislação ou não; pequenas, grandes ou muito grandes, etc.)
A corrupção no Estado é uma parte das fraudes
Isto acontece por duas razões: porque há corrupção em muitas instituições e situações e porque há muitas fraudes com outros tipos de características:
- A corrupção é um tipo de fraude muito frequente nas empresas, representando um tipo muito habitual quer em frequência quer em valor. Acontece, por exemplo, quando quem se encarrega das compras escolhe determinadas empresas porque é de familiares, amigos ou recebe uma comissão. Também é muito frequente em diversas instituições que não são empresas. Acontece muito frequentemente no comércio internacional. É frequentíssimo no desporto, quando, associado ou não a apostas desportivas (utilizadas muito no branqueamento de capitais), se «compram» árbitros, jogadores, treinadores ou dirigentes mas porque esta é uma área de acção das máfias, a «compra» pode assumir também a forma de ameaças de morte do próprio ou da família.
- A grande parte das fraudes existentes nem sequer assumem as características da corrupção. Nas empresas predomina o roubo velado de activos e os relatórios financeiros falsificados. As fraudes informáticas desde a manipulação das contas bancárias de cada cidadão à utilização das chamadas cartas da Nigéria, desde o bloqueio da bases de dados empresariais à adopção das redes sociais para influenciar milhões de utilizadores, desde a solicitação de determinados montantes (pequenos ou grandes), eis alguns exemplos, são imensas. As burlas a cidadãos são frequentíssimas podendo assumir mil e uma formas: desde o envio de cartas a alguns ingénuos, ao aluguer de casas de férias que não existem, para citar alguns poucos exemplos. A fraude fiscal assume proporções assustadoras, englobando múltiplas formas e todos os impostos. Grandes países da OCDE ou do G7 são paraísos fiscais. A esta imensa lista juntam-se ainda muitas outras: fraudes nos medicamentos, nas artes, nos trabalhos académicos, etc.
A importância relativa da frequência e do valor
Em todos os casos referidos para além dos visados nas fraudes somos todos nós, cidadãos, que pagamos: pela insuficiente qualidade dos serviços, pelos impostos que pagamos, pelos preços que nos são exigidos.
Mas há outra importante diferença nesse caso. E enquanto em muitas situações de fraude é possível saber, sempre à posterior, em quanto fomos enganados, tal não acontece na maior parte da corrupção, incluindo na maioria da grande corrupção no Estado.
Tal significa que quando estamos a falar da corrupção no Estado a nossa forma de quantificação é mais indirecta. Depende da nossa informação sobre o grau de corrupção política existente. Daí a importância da informação recolhida. Essa percepção da corrupção política existente, depende de um vasto conjunto de informações recolhidas por cada um de nós e pela sociedade no conjunto das apreciações e interacções individuais, de natureza muito diversificada ꟷ por exemplo, da nossa formação, do nosso conhecimento da situação, da nossa opinião sobre a personalidade dos políticos que conhecemos, dos julgamentos existentes em tribunal ou meramente por nós com base na falta de segredo judiciário, da abordagem do assunto pelas redes sociais, pelos jornais e jornalistas, da nossa opinião sobre os impactos regionais desses acontecimentos, etc.
A corrupção tem, na realidade e na nossa opinião, uma determinada frequência e valor. Provavelmente este é o elemento fundamental ꟷ uma corrupção de maior valor tem, provavelmente mais impactos sociais ꟷ mas são realidades concomitantes, tendendo uns a privilegiar um dos aspectos, centrando os restantes no outro.
Uma pergunta
Dito isto resta colocar uma questão: como evitar e combater a corrupção no Estado? Será a transparência uma solução? O que pretendemos designar por tal?