Ana Clara Borrego, OBEGEF

É certo que, caso não haja uma diminuição de despesas em outros sectores do Estado, a despesa pública com a pandemia é uma “fatura” que tem de ser paga pelos cidadãos sob a forma de impostos, falta saber, futuramente, que tipo de impostos e sobre quem irão incidir.

O ano 2020 foi um ano trágico a nível mundial do ponto de vista da saúde pública, bem como na perspetiva económica e social. Em Portugal, tal como no resto do mundo, a pandemia da Covid-19 pôs à prova o sistema de saúde, mas, também, abanou os alicerces da economia e da sociedade.

Assim que a pandemia se instalou, para combater a crise económica e social, o governo português foi célere a criar medidas de apoio às empresas, empregos e famílias, nomeadamente o layoff simplificado, as moratórias, o apoio à tesouraria, entre outros.

Porém, o aumento na despesa pública derivado daquelas medidas e do reforço do Serviço Nacional de Saúde, associado à diminuição da receita, por via dos impostos que deixaram de ser cobrados, de acordo com dados da Direção-Geral do Orçamento (DGO), custaram, em 2020, 4.591 milhões de euros aos cofres do Estado.

Considerando que Portugal não é um país com folga orçamental, a questão que se coloca, caros leitores, é quem suportou aquela despesa pública adicional?

De acordo com o relatório da OCDE, Taxing Wages[i], em Portugal, o incremento de despesa pública com a covid-19 do ano 2020 foi compensado com o aumento dos impostos sobre os rendimentos do trabalho, afetando, em especial, as famílias, ao contrário do que ocorreu na maioria dos outros países membros da OCDE.

Segundo aquele relatório, com o referido aumento, Portugal passou a ter, em 2020, uma carga fiscal sobre salários de 41,3%, passando a estar 6,7% acima da média dos países da OCDE. Esta subida é mais preocupante, pois a tendência, de entre os países da OCDE, foi de descida deste tipo de tributação, encontrando-se, na maioria dos outros países, formas alternativas de tributar, ou opções por descida de outro tipo de despesas públicas, para compensar o aumento da despesa pública com a pandemia da covid-19.

Recentemente, quer a OCDE, quer o FMI fizeram recomendações, ao nível da tributação, aos países afetados em termos orçamentais com os gastos da pandemia. Tais recomendações permitiriam aos países, em 2021 e anos seguintes, ampliar a receita publica, para fazer face à despesa publica com a pandemia da covid-19, e passarão por:

  • Aumento, temporário, da tributação sobre os rendimentos dos que têm rendimentos mais elevados;
  • Aumento da tributação ambiental;
  • Aumento da tributação sobre a propriedade;
  • Diminuição do âmbito da aplicação das taxas reduzidas na tributação sobre o consumo.

Algumas das sugestões da OCDE e do FMI preocupam-me, pois, os contribuintes visados seriam os mesmos que “pagaram a fatura” de 2020, ademais, alguns impostos em causa já atingiram valores muito elevados, como é o caso dos impostos sobre a propriedade, em concreto o IMI e o IMT, e podem prejudicar sectores económicos motores da económica, como o imobiliário.

Independentemente das circunstâncias e dos motivos do aumento da despesa pública, existindo esse aumento, caso não exista um corte de outro tipo de despesas públicas, há, obviamente, necessidade de financiamento que o suporte. Tal financiamento, para não aumentar a dívida pública, só pode ocorrer por via do aumento de impostos.

Assim, é certo que, caso não haja uma diminuição de despesas em outros sectores do Estado, a despesa pública com a pandemia é uma “fatura” que tem de ser paga pelos cidadãos sob a forma de impostos, falta saber, futuramente, que tipo de impostos e sobre quem irão incidir.

[i] https://www.oecd.org/tax/taxing-wages-20725124.htm