António João Maia, Expresso online (119 15/04/2021)
A vontade política é, todos os autores que estudam o fenómeno da corrupção o reconhecem, um elemento de grande importância para o estabelecimento de uma certa linha de força relativamente a um problema que afeta os Estados e que mina fortemente a confiança nas instituições e em tudo o que elas representam perante os cidadãos
O Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO) divulgou há poucos dias um novo relatório sobre Portugal relativamente à adoção das recomendações que nos tinham sido apresentadas por aquele mesmo organismo nos relatórios de 2015, 2017 e 2019, no âmbito do 4º ciclo de avaliações.
Como referimos em Controlar a corrupção em Portugal - o que nos tem dito o GRECO?, o Relatório de 2019 considerava que Portugal cumpria de modo pouco satisfatório o quadro das 15 recomendações que nos tinham sido anteriormente apresentadas pelo mesmo organismo através do Relatório de 2015, e do Relatório de 2017 quanto à criação e adoção de medidas promotoras da ética, da integridade e da transparência, bem como da prevenção dos conflitos de interesses, relativamente à ação dos deputados à Assembleia da República, dos Juízes e dos Magistrados, âmbitos da atenção do referido 4º ciclo de avaliações.
Efetivamente, os documentos de 2017 e 2019 consideravam que apenas 1 das 15 recomendações inicialmente propostas se encontrava cumprida de forma satisfatória. A recomendação em causa relaciona-se com a publicitação atempada dos resultados dos procedimentos disciplinares a Magistrados pelo Conselho Superior do Ministério Público.
O documento agora publicado (Relatório 2021) vem assumir que mais 2 das 15 recomendações se consideram satisfatoriamente implementadas. As recomendações em causa referem-se à existência de medidas: i) que asseguram a afetação de processos e de Juízes segundo critérios objetivos e transparentes, e que salvaguardam a sua independência, e ii) que protejam os Magistrados do Ministério Público de interferências indevidas ou ilegais no exercício das suas funções.
Em suma, o relatório agora publicado, seis anos após o documento que apresentou o conjunto das 15 recomendações que o GRECO dirigiu a Portugal no âmbito deste ciclo de avaliações, revela a subsistência de 12 recomendações por cumprir, incluindo a totalidade (5) das que foram apresentadas relativamente aos Deputados à Assembleia da República.
Nos termos do relatório agora publicado, e para destacar as recomendações associadas aos deputados, dadas as funções e as responsabilidades que lhes estão naturalmente associadas, enquanto representantes dos cidadãos no órgão com poder legislativo, as cinco recomendações em causa, que ainda não alcançaram esse estado mínimo de cumprimento, são as seguintes:
- Que i) sejam tomadas medidas para garantir o cumprimento dos prazos estabelecidos no Regimento para as várias fases do processo legislativo; e que ii) seja garantida a igualdade de acesso de todas as partes interessadas, incluindo a sociedade civil, às várias fases do processo legislativo;
- Que i) sejam adotados princípios e normas de conduta claras, aplicáveis e de acesso público para os deputados, providos de um mecanismo de fiscalização eficiente; e que ii) a consciencialização dos princípios e das normas de conduta seja promovida entre os deputados através de orientação dedicada, aconselhamento confidencial e formação sobre questões como interações adequadas com terceiros, a aceitação de ofertas, hospitalidade e outros benefícios e vantagens, conflitos de interesses e prevenção de corrupção dentro de suas próprias fileiras.
- Que se proceda i) à realização de uma avaliação independente sobre a eficácia do sistema de prevenção, divulgação, verificação e de sanção em relação aos conflitos de interesses dos deputados, incluindo especificamente a adequação das incompatibilidades e dos impedimentos, bem como o impacto que este sistema tem na prevenção e deteção da corrupção, e a adoção de medidas corretivas adequadas (por exemplo, desenvolver e aperfeiçoar o quadro regulamentar, reforçar a fiscalização, introduzir sanções dissuasivas, etc.); e ii) assegurar que a comunicação de interesses privados por parte dos deputados - quer antecipada ou periódica - seja sujeita a controlos substantivos e regulares por parte de um organismo de fiscalização imparcial.
- Que i) sejam estabelecidas sanções adequadas em caso de infrações menores à obrigação de declaração de património, incluindo a prestação de informação incompleta e imprecisa; e ii) que as declarações de património dos deputados sejam tornadas públicas e disponibilizadas (ao público) on-line.
- Que i) as declarações de património de todos os deputados sejam submetidas a controlos frequentes e substantivos dentro de um prazo razoável, de acordo com a lei; e que ii) sejam proporcionados recursos humanos e outros adequados ao órgão de fiscalização independente, incluindo a qualquer uma das suas estruturas auxiliares, e que seja facilitada a cooperação efetiva deste órgão com outras instituições do Estado, em particular as que exercem o controlo sobre os conflitos de interesses dos deputados.
Este sinal é inquietante e deve suscitar-nos, pelo menos, alguma preocupação relativamente a uma componente de reconhecida importância no contexto do controlo da corrupção num qualquer Estado. Referimo-nos à denominada vontade política.
A vontade política é, todos os autores que estudam o fenómeno da corrupção o reconhecem (vejam-se a por exemplo o estudo de 2010 do U4, Unpacking the concept of political will to confront corruption, ou o relatório Building Political Will - Topic Guide de 2014, da Transparência Internacional), um elemento de grande importância para o estabelecimento de uma certa linha de força relativamente a essa luta, a esse cuidado que importa desenvolver sobre um problema de gravidade maior que afeta os Estados e que mina fortemente a confiança nas instituições e em tudo o que elas representam perante os cidadãos.
São as lideranças políticas que, num Estado de direito democrático evoluído, como é o nosso, têm a função de, em representação e salvaguardando o interesse de todos, estabelecer as políticas públicas nos mais diversos âmbitos da ação do próprio Estado, incluindo naturalmente o desenvolvimento e a adoção das medidas mais adequadas para um controlo tão eficaz quanto possível da corrupção, tanto no plano preventivo como no plano repressivo.
Como cidadão e perante sinais desta natureza, questiono-me se temos tido os melhores contextos de lideranças políticas que se mostrem verdadeiramente capazes e sobretudo interessadas na procura de soluções mais ajustadas para fazer face a este problema. Mas talvez seja apenas uma questão de perceção.