Rute Serra, Expresso online (118 07/04/2021)

 

 

A onda provocada pela pandemia que nos tem transportado para uma realidade na sua quase totalidade virtual é a mesma que carrega, na crista, os criminosos para o mesmo contexto. Neste espaço semanal a cargo do Observatório de Gestão da Fraude, a professora Rute Serra, do Instituto Português de Psicologia, na área da criminalidade económica, analisa os estudos mais recentes sobre esta temática

Pode o leitor mais distraído julgar que o título desta crónica levanta a dúvida sobre se a pandemia de covid-19 que grassa será uma fraude. Não poderá o leitor estar, se assim for, mais equivocado. Infelizmente, a doença que precipitou o mundo para o olho de um furacão de categoria 5 na escala de Saffir-Simpson é bem real.

ode o leitor mais distraído julgar que o título desta crónica levanta a dúvida sobre se a pandemia de covid-19 que grassa será uma fraude. Não poderá o leitor estar, se assim for, mais equivocado. Infelizmente, a doença que precipitou o mundo para o olho de um furacão de categoria 5 na escala de Saffir-Simpson é bem real.

O que concomitantemente sucedeu, sucede e aparentemente sucederá é que para além da questão de saúde pública que a pandemia suscita, a existência deste vírus maldito carrega nos genes a capacidade de infetar os seres humanos, impelindo-os a praticar, com intenção crescente, atividades de cariz fraudulento. A onda que nos tem transportado para uma realidade na sua quase totalidade virtual é a mesma que carrega, na crista, os criminosos para o mesmo contexto.

68%, 77% e 79%. Em maio, agosto e novembro de 2020, respetivamente, foram aquelas as percentagens de respondentes, apresentadas pela Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), no documento público “Fraud in the wake of COVID-19: Benchmarking Report”, que afirmam ter assistido a um aumento generalizado da fraude. Destes, 38% acrescentam que o aumento percecionado foi significativo (em maio – 25% e em agosto – 34%), antecipando-se que nos próximos meses o incremento das situações de fraude seja exponencial.

O estudo desenvolveu um questionário construído sobre doze diferentes categorias de riscos de fraude, desde cibersegurança a fraude na saúde, fraude nos seguros, suborno e corrupção. Relativamente a todas elas, os respondentes acreditam que existirá aumento, nos próximos meses. Porém, alguns destes riscos de fraude estarão, uns mais do que outros, a afetar as organizações, públicas e privadas, e as pessoas. De acordo com o estudo citado, os ataques cibernéticos ocupam o primeiro lugar do pódio – falamos de violação de correio eletrónico empresarial, hackingransomwaremalware e um novo anglicismo que a pandemia fez florescer – o smishing (subfórmula do phishing, através da qual os criminosos tentam obter as suas informações privadas através de mensagens de texto) – seguidos das fraudes relativas a cartões de crédito e pagamentos através de telemóvel, roubo de identidade, inclusive para obtenção fraudulenta de subsídios.

Mente criminosa rima com maldade prodigiosa.

A infeção de fraude de fim de espectro – aquela que constitui crime – materializa-se na contrafação de equipamento de proteção individual, de produtos farmacêuticos e sanitários, incluindo os testes caseiros à covid-19, a vacinas alegadamente preventivas da doença. E não demonstra ainda imunidade, a contínua disseminação de notícias falsas e de narrativas providencialistas.

Convém assinalar que é neste cenário que os constrangimentos surgem quando se trata de prevenir, detetar e investigar a fraude. Para os investigadores em geral, é mais complexo efetuar serviço externo ou ter de realizar entrevistas através de meios remotos, garantir a segurança e confidencialidade de dados, manter uma comunicação eficaz, acompanhar as rápidas alterações legislativas ou manter os circuitos operacionais considerando a falta de pessoal, tudo isto determinando a dificuldade de acesso aos meios de prova, essenciais para o sucesso do seu trabalho.

Quando enterrarmos o machado desta guerra, estaremos em clima de retoma económica, cujo êxito dependerá, não só mas também, de levarmos em consideração o mundo novo que entretanto se instalou.

Por enquanto, compete-nos elevar os níveis que já dedicamos à nossa proteção física, à nossa presença virtual.

A prevenção, ainda que seja um desafio, continua a ser o melhor remédio.